São Paulo, sábado, 03 de janeiro de 2009

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Marginal de luxo

Coleção de DVDs do cinema marginal chega em março às lojas; no total, serão 38 longas e curtas, de 12 diretores, como Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla, André Luiz Oliveira e Elyseu Visconti

FERNANDA EZABELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Sempre tive a impressão de que o diabo ia com a nossa cara". A frase, dita no longa "Sem Essa, Aranha", pode resumir o espírito de guerrilha de uma geração de cineastas que produziu nos anos 60 e 70, avacalhando convenções, censuras e até mesmo o bom gosto.
Trinta e oito filmes, entre curtas e longas, de 12 diretores desse período experimental estão na coleção de DVDs Cinema Marginal Brasileiro, um projeto de quase 10 anos que chegará às lojas em março.
O lançamento vem da parceria da Lume Filmes com a Heco Produções, que realizou em 2001 a Mostra Cinema Marginal, com alguns dos filmes raríssimos que agora fazem parte da coleção, graças ao apoio da Cinemateca Brasileira.
A primeira leva trará quatro DVDs recheados de extras e livretos de 16 páginas, um para cada diretor: Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla (1946-2004), André Luiz Oliveira e Elyseu Visconti.
Depois, a cada dois meses, será a vez de mais dois cineastas (veja quadro ao lado).
"Sem Essa, Aranha" (1970), espécie de musical escrachado filmado no Rio, é o filme principal no DVD de Sganzerla e que nunca fora lançado comercialmente. O diretor deu corpo ao movimento que ficou conhecido como cinema marginal ao estrear "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), seu filme mais famoso, lançado em DVD ano passado pela Versátil.
O protagonista de "Sem Essa, Aranha" é Jorge Loredo, no papel de Zé Bonitinho, que chega a fazer striptease vestido, com mímicas, rodeado de mulheres nuas num bar decadente.
O DVD traz um depoimento inédito de duas horas dado no MIS-SP, em 1990. "O processo criativo é algo que só um ideograma chinês poderia definir perfeitamente [...] daria todos os filmes que fiz [...] para saber também porque me interessei por cinema desde a primeira infância", diz o diretor.

Tonacci
O DVD de Tonacci traz o longa "Bang Bang" (1971), conhecido pelo personagem que usa máscara de macaco e toma leite de magnésia. Ao contrário da anarquia dos números musicais de "Sem Essa, Aranha", Tonacci filma em "Bang Bang" uma longa série de dança, sem tirar a atriz do centro da tela.
"É o filme mais rigoroso [da época] sob o ponto de vista formal [...] do enquadramento, da câmera, da imagem com o som", diz Ismail Xavier, numa palestra durante a mostra de 2001, que vem como extra.
Há também um breve depoimento de Tonacci, explicando que fazer cinema é "100 por cento racionalidade, 100 por cento improvisação". "Cheguei a chorar de desespero [ao ver uma página em branco] pela impotência de conseguir enxergar, visualizar [a cena]", diz.

Documentário para 2010
O DVD de André Luiz Oliveira trará o longa "Meteorango Kid, o Herói Intergaláctico" (1969). Rodado em Salvador, o filme segue um jovem que não faz nada da vida, tira melecas do nariz e apronta pela cidade.
O DVD de Elyseu Visconti terá "Os Monstros de Babaloo" (1970), com detasque para a dupla Zezé Macedo e Wilza Carla.
Eugênio Puppo, dono da Heco, que vem resgatando a história do cinema brasileiro através de inúmeras mostras e livros, lidera as pesquisas sobre cinema marginal desde 1999. Ele promete lançar um 13º DVD, em 2010, com um documentário do movimento.
"Tenho mais de 100 horas gravadas das 22 mesas-redondas da mostra", diz Puppo, que fez o evento em SP, Rio e Brasília. "Sempre tinha uma câmera na mão, entrevistamos todo mundo que aparecia, como Ivan Cardoso, Maurice Capovilla, Jean-Claude Bernardet."
Finalmente, o cinema marginal deixa de ficar à margem. "Ninguém quer ser marginal, nem o próprio marginal na vida real", diz Sganzerla, no DVD.


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