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Oscar seleciona doc sobre a irmã Dorothy Stang
"Mataram a Irmã Dorothy", do norte-americano Daniel Junge,
integra a lista de 15 finalistas da qual sairão os cinco indicados
Diretor afirma temer que
público veja a história como a
luta "da mulher boa contra os
homens maus" e despreze
perspectiva maior do conflito
Divulgação
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A freira norte-americana Dorothy Stang, preservacionista que foi assassinada no Pará em 2005
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
Uma freira septuagenária
brutalmente assassinada, um
suspeito conhecido como Taradão e a multifacetada disputa
entre conservação e exploração
da Amazônia poderiam ser elementos caricaturais demais para uma história de ficção. Para a
sorte do documentarista norte-americano Daniel Junge, porém, é tudo verdade -e o resultado tem potencial para Oscar.
A Academia de Hollywood
incluiu "Mataram a Irmã Dorothy", de Junge, entre os 15
pré-selecionados ao Oscar de
melhor documentário de 2009
-os cinco indicados serão
anunciados no próximo dia 22.
A partir de 400 horas de gravação, o documentário aborda
as forças envolvidas na morte
da missionária conservacionista Dorothy Mae Stang, de Ohio
(EUA), assassinada a tiros aos
73 anos, em fevereiro de 2005,
em Anapu (oeste do Pará).
"Se eu tivesse escrito a trama,
ninguém acreditaria", disse
Junge à Folha, por telefone, de
Denver. "Foi uma tremenda
sorte encontrar personagens
tão fantásticos em todos os lados da história. Mas, se você for
ao Pará e passar um tempo em
Belém, vai encontrar pessoas
como aquelas, quase teatrais."
Além de Dorothy, que surge
em imagens de arquivo, e de
seu irmão, David, que foi ao Pará seguir as investigações, Junge destaca os pistoleiros, os
acusados de serem mandantes
do crime -Regivaldo Pereira
Galvão, o Taradão, e Vitalmiro
Bastos de Moura (Bida)- e os
advogados de defesa do último.
O filme acompanha as condenações iniciais dos pistoleiros, de um intermediário e de
Bida. Mas a história continua a
sofrer reviravoltas, após as gravações. Bida foi inocentado em
um segundo julgamento e está
de volta ao Pará. Taradão, que
havia ficado preso por mais de
um ano e depois fora solto, voltou a ser preso no último dia
26, acusado de grilagem. Ele estaria negociando o pedaço de
terra que levou à morte de Dorothy -o lote 55, disputado por
pecuaristas e assentados do
Programa de Desenvolvimento
Sustentável (PDS), que a missionária liderava.
"Demônio da região"
Junge simplifica a história,
mas mostra as complexidades
da disputa. O filme deixa claro
que o PDS era odiado por boa
parte da população de Anapu.
"Esse negócio de "anjo da Amazônia" é papo furado'", diz um
morador. "[Ela] enfiou o maldito PDS goela abaixo do pessoal
e virou o demônio da região."
Com críticas à ignorância dos
próprios clientes, tramoias e
gritos de "Vamos à guerra!", os
advogados de defesa são os protagonistas das cenas mais impressionantes do filme.
Numa cena, a mãe de um dos
pistoleiros discute com a equipe por telefone. "Ela diz que o
filho fica na prisão, mas leva todos os responsáveis junto", diz
um dos advogados. "Olha a
mentalidade desse povo!"
Junge diz que não sabe explicar o porquê da abertura surpreendente dos advogados à
sua equipe, composta em boa
parte por brasileiros. "Acho
que eles operam em um ambiente de tanta impunidade
que pensam que não é possível
atingi-los. Têm essa bravata e
gostam de ser vistos assim. E
são muito bons no que fazem."
Mesmo preocupado com a
imparcialidade, o diretor não
tentou evitar na edição que os
personagens se mostrassem
em tons tão carregados. "É um
melodrama, mas aconteceu na
nossa frente", conta. "E a gente
também curte essas reviravoltas dramáticas do caso."
Ele admite, contudo, um desconforto. "Tenho medo que as
pessoas se fixem na ideia de
uma "freira doce" e dos "homens
maus" que a mataram e percam
a dimensão das ideias mais importantes. A história não é sobre a "mulher boa contra os homens maus", e sim sobre falhas
sistêmicas, fracassos e a culpa
de toda uma sociedade -incluindo as pessoas na Amazônia, o governo brasileiro, e também os norte-americanos que
fazem negócios por lá."
"Mataram a Irmã Dorothy"
também foi pré-selecionado
para indicação ao Oscar por
melhor canção original por
"Forever", de Bebel Gilberto. A
narração é de Martin Sheen
(em inglês) e Wagner Moura
(em português).
Após vencer o South by
Southwest Film Festival (Austin, Texas), o filme foi comprado pela HBO, responsável pela
distribuição nos EUA. No Brasil, a MovieMobz planeja lançá-lo em 13 de fevereiro.
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