São Paulo, segunda-feira, 03 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Rainha do gado

A holandesa Marleen Felius se inspira em Van Gogh para pintar os touros reprodutores mais caros do Brasil; retratos custam de R$ 17 mil a R$ 27 mil

Fotos FilipeWiens/Folhapress
O nelore brasileiro Fajardo, em obra da artista holandesa

ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO

Ao conhecer o touro Panagpur, em Sertãozinho, interior de São Paulo, a pintora holandesa Marleen Felius não imaginou ter, diante de si, o que seria sua obra prima. "Era um animal idoso, cansado", lembra.
A impressão persistiu até o momento em que o bovino se levantou: "Então percebi que tinha um porte elegante." Marleen tirou da bolsa uma máquina fotográfica e, qual J.R. Duran, retratou seu modelo durante uma hora. "Se você dá liberdade ao touro, ele se revela", ensina.
O ano era 2004. Em posse das fotos, a artista deixou o Brasil e voltou a Roterdã, na Holanda, onde fica seu ateliê. É lá que, desde 1970, ela se dedica a pintar os expoentes da pecuária mundial -touros e vacas reprodutores que chegam a custar US$ 3 milhões (R$ 5 milhões). A exemplo de Panagpur, grande parte é brasileira.
A fixação de Marleen começou na infância, quando morava na parte rural de Roterdã, centro industrial holandês. Vivia cercada de porcos, cavalos e bois. "Na escola, eu desenhava os bichos para matar a saudade."
Terminado o ensino médio, decidiu cursar belas artes e mergulhou de cabeça na pintura bovina.

LIMITAÇÕES
De cara, se deparou com duas limitações. A primeira, de ordem prática: seus modelos vivos eram impacientes demais para ficar parados (à diferença do animal brasileiro, da raça Nelore, o touro holandês é bastante agressivo). Inventou um método em três etapas, que usa até hoje. Ela fotografa o bovino, espalha as imagens em seu ateliê e cria, a partir delas, a pose em que o touro será pintado.
O segundo problema foi de ordem estética: ninguém havia se aventurado pela mesma seara. Sem referência na área, Marleen diz ter buscado inspiração em dois ícones da pintura de seu país: De Kooning e Van Gogh: "Tento reproduzir as cores deles."
No princípio, foi desacreditada. "Alguns pintores holandeses já haviam retratado touros, mas perdidos na paisagem. Ninguém se interessava pelo animal em si."
Marleen passou, então, a se interessar não só pelo animal em si, mas pela casta mais alta do animal em si. Virou a retratista da oligarquia bovina, uma espécie de Michelangelo das pastagens.
Hoje, aos 62, Marleen conseguiu fazer com que suas obras atingissem a dezena de milhar de euros. "O mais caro que vendi até hoje me rendeu 12 mil euros (R$ 27 mil)", diz. É pouco, se comparado aos milhões que um quadro pode atingir no mercado de arte contemporânea.
Ela diz que é porque os donos de animais na Holanda são pequenos criadores. "A pecuária aqui não movimenta tanto dinheiro quanto no Brasil", aponta.
A primeira incursão artística de Marleen no Brasil ocorreu em 2000, quando visitou a central de reprodução CRV Lagoa, a convite do então diretor da empresa, Guus Laeven. Laeven, seu compatriota, conhecia Marleen da Holanda: "Ela era muito famosa lá, em função da enciclopédia que escreveu sobre bois [o livro "Cattle Breeds, an Encyclopedia" (criação de gado, uma enciclopédia)]."
Além disso, Marleen ficara notória pelo retrato que fizera, a óleo, de Sunny Boy, o touro reprodutor mais profícuo da história da Holanda, com 2 milhões de doses de sêmen comercializadas.

ALMA
Seguro de que um óleo agregaria valor a um animal, Laeven convidaria Marleen a pintar os principais bovinos da central de reprodução: Panagpur, Fajardo e Enlevo. As obras custaram em torno de US$ 10 mil cada (R$ 17 mil).
"Marleen passa o dia inteiro ao lado do animal, fotografando de todos os ângulos." O resultado, segundo ele, é que a artista acaba por pintar "a alma do touro".
Com o reconhecimento conquistado com os primeiros retratos nacionais, Marleen passou a receber encomendas de outros fazendeiros. Da Fazenda Mata Velha, do empresário Jonas Barcelos, dono da Brasif, pintou as vacas Olímpica, Página e Sama, "a primeira no Brasil a ser vendida por mais de US$ 1 milhão", lembra.
Da Jacarezinho, pintou os touros Kulal e Felius -este batizado em sua homenagem. Ian David Hill, gerente da propriedade, disse que o tributo fez parte de uma ninhada em que todos os bezerrinhos tinham nomes de artistas. Felius apareceu, assim, ao lado de Monet, Rembrandt e Van Gogh.
A despeito dos irmãos mais famosos, Felius foi o único agraciado com um retrato a óleo na parede.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Cavalos são os queridinhos da pintura rural
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.