São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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Estréia hoje "O Segredo de Brokeback Mountain", que não pode ser resumido a um "faroeste gay"

O melodrama de Ang Lee

CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"O Segredo de Brokeback Mountain" chega hoje aos cinemas brasileiros carregado de láureas e de equívocos. O filme do diretor de origem chinesa Ang Lee, baseado num conto da escritora Annie Proulx publicado em 1997 pela revista "The New Yorker", narra o romance entre dois caubóis isolados numa montanha do Wyoming. Com o Leão de Ouro no Festival de Veneza, quatro Globos de Ouro na bagagem e oito Oscars na mira, a história tem sido vendida como o "primeiro faroeste gay" do cinema.
O argumento vem carregado de ignorância. O subtexto homossexual já alimentava nove de cada dez westerns clássicos (o elogio feito por Montgomery Clift e John Ireland às mútuas pistolas em "Rio Vermelho" é só o mais óbvio), sem esquecer o pioneirismo de Andy Warhol no explícito "Lonesome Cowboys" (1968). Para que diabos serviria cultuar um filme que tira seus heróis do armário para isolá-los no alto de uma montanha ou defender a quebra de tabu do filme argumentando que os protagonistas são "heterossexuais confirmados"?
O que de fato Ang Lee fez foi retomar a tradição cujo ápice encontra-se em Douglas Sirk mas que também passa por Vincent Minnelli, John Stahl e outros de glória menor, todos dedicados a explorar o melodrama como gênero maior, que abriga as forças irracionais da paixão e do desejo e a impossibilidade de sua conjugação perfeita com as regras sociais.
Como Todd Haynes já havia proposto em 2002 em "Longe do Paraíso", "O Segredo de Brokeback Mountain" também relê "Tudo que o Céu Permite", de Sirk, e não deixa de comprovar sua atualidade.
Lá já estavam o princípio básico de um amor impossível, o complô social contra sua realização e a natureza como espaço não apenas idílico, mas sobretudo livre das convenções, num rousseauísmo à americana.
O que um diretor de personalidade débil como Ang Lee poderia oferecer à renovação de um gênero regido por excessos? Ciente de seus limites, Lee toma o rumo oposto e guarda do melodrama a ossatura. De resto, seu filme é todo feito de retenção, de não-ditos, de cores esmaecidas e de uso contido da música, expressões cinematográficas ajustadas à paixão de Ennis por Jack, tanto mais forte quanto mais sufocada.
É essa maneira de filmar em um tom menor que permite a Lee uma captura dos sentimentos. O diretor faz da câmera um uso sismográfico, registrando os abalos na profundidade de seus protagonistas, cujo caso exemplar encontra-se na cena em que Ennis aguarda a chegada de Jack em seu primeiro reencontro.
De resto, só o fato de oferecer, no auge da cultura do consumo e do individualismo extremos, uma história de amor baseada na renúncia pode não parecer, mas vista com os dois olhos abertos é algo bastante revolucionário.


O Segredo de Brokeback Mountain
Brokeback Mountain
    
Produção: EUA, 2005
Direção: Ang Lee
Com: Heath Ledger, Jake Gyllenhaal
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca, Anália Franco e circuito


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