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"Não quero ver dois homens trocando beijos"
LARRY DAVID
DO "NEW YORK TIMES"
Alguém precisa escrever isso,
e por que não eu? Não assisti
a "O Segredo de Brokeback
Mountain" e não tenho a menor
intenção de fazê-lo. Mesmo que
caubóis me laçassem e arrastassem ao cinema, ainda assim me
esforçaria para manter os olhos
fechados e tapar as orelhas.
E eu adoro os gays. Ei, eu tenho
até alguns conhecidos gays. Sou
favorável ao casamento gay, ao isso e aquilo gay; só não quero ver
dois homens heterossexuais se
apaixonando, trocando beijos, caminhando de mãos dadas e sozinhos pela pradaria. É só isso.
Será que é algo tão terrível? Será
que isso quer dizer que sou homófobo? Bem, se sou, lamento,
mas não vou mudar. Porque as
pessoas podem me chamar do
que quiserem, e mesmo assim eu
não vou assistir. Para minha surpresa, tenho alguns amigos heterossexuais que não só assistiram
ao filme mas gostaram dele.
"Uma das melhores histórias de
amor de todos os tempos", elogiou um deles. E outro disse: "Oh,
meu Deus, você se esquece completamente de que se trata de dois
homens. Acho que você, em particular, vai adorar". "Por que eu?"
"Porque sim, confie em mim."
Mas eu não confio. Se os dois
caubóis, ícones da masculinidade
e 100% machos, podem sucumbir, que chance teria eu, que valho
no máximo entre 25% e 50% de
um homem, a depender de quem
esteja comigo no momento?
Sou uma pessoa muito suscetível, facilmente influenciável, nasci
para seguir os líderes, e minha resistência a qualquer técnica de
venda é zero. Quando entro em
uma loja, os vendedores disputam a tapa o direito de me atender. Minha mulher não me deixa
assistir a infomerciais devido à pilha de porcarias que já comprei e
que estão lá, atulhando a garagem. Meu armarinho de remédios está repleto de vitaminas e de
tratamentos contra a calvície.
Assim, quem é que pode garantir que eu não vou me encantar
por essa história de ser gay? É preciso encarar os fatos: há algo de
interessante na idéia. Eu sempre
me dei muito bem com homens.
Jamais tive que ficar caminhando
de um lado para outro no meu
quarto ensaiando o que dizer antes de convidar um homem a ir
comigo ao cinema. E, quando saio
com homens, não pago suas contas, o que evidentemente representa o maior atrativo da idéia.
Além disso, os homens gays
sempre parecem estar se divertindo muito. Na festa de Natal a que
compareci, eles foram os únicos
que cantaram. Eu teria adorado
cantar, mas o peso da minha heterossexualidade não me permitiu.
Tenho certeza de que, se assistisse ao filme, aquela voz que vive
em minha cabeça simplesmente
pelo prazer de me torturar teria
momentos de imensa diversão.
"Você gosta desses caubóis, não
gosta? Eles parecem bonitinhos.
Não tente me enganar, seu gay.
Melhor desistir de combater essa
vontade. Você é gay! Você é gay!"
Não que haja algo de errado nisso.
Larry David criou e estrela a série "Curb Your Enthusiasm", da HBO, e é co-criador da série "Seinfeld"
Tradução Paulo Migliacci
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