São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros - Crítica/história

A Guerra Fria, vista de Washington

Associated Press
Pedreiro levanta parte da barreira do Muro de Berlim, sob escolta de soldado da antiga Alemanha Oriental


CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

John Lewis Gaddis, professor de Yale, é um eminente pesquisador americano da Guerra Fria. Em 2004, ele lançou um ensaio de 118 páginas que o tornou um dos historiadores favoritos dos neoconservadores.
Em "Surprise, Security and the American Experience" (surpresa, segurança e a experiência americana), Gaddis afirmava que a Doutrina Bush de ataques preventivos não era uma ruptura, mas uma continuidade da política externa dos antecessores do atual presidente -para os quais, a despeito de sentimentos isolacionistas, o melhor meio de garantir a segurança dos Estados Unidos foi sempre a expansão de suas fronteiras e de sua hegemonia.
A tese de Gaddis tem certa semelhança com análises da esquerda antiimperialista. Mas ele não vê nenhuma razão pela qual os EUA deveriam pedir desculpas por tal expansionismo. "Você não gostaria de devolvê-las, gostaria?", pergunta no ensaio, citando frase de um colega em referência à conquista de terras do México.
Esses antecedentes não significam que "História da Guerra Fria", lançado no final de 2005 por Gaddis e agora publicado no Brasil pela Nova Fronteira, seja um livro ruim.
Querem dizer apenas que essa versão para o público não-especializado do conflito que durante metade do século 20 opôs os Estados Unidos e a União Soviética, aliados táticos na Segunda Guerra Mundial, tem os pés fincados em um ponto de vista e, como a maioria das narrativas históricas, representa apenas parte da história.
Os melhores capítulos do livro são os que se concentram no equilíbrio do terror alcançado pelos EUA e a URSS a partir da corrida armamentista que, em dez anos, levou os dois países à Destruição Mútua Garantida (MAD, na sigla em inglês). Gaddis relata como o soviético Josef Stálin e o americano Harry Truman simultaneamente se deram conta de que a bomba atômica, despejada duas vezes sobre o Japão (já para "conter" as ambições soviéticas), era uma arma para não ser usada nunca mais.
Foi uma lição difícil de ser aprendida, tanto que Dwight Eisenhower, o sucessor de Truman, ainda teve que se debater com a tese da possibilidade de uma guerra nuclear limitada, defendida na época pelo jovem estrategista Henry Kissinger. E Nikita Kruschev, sucessor de Stálin, mandou mísseis para uma ilha a 180 quilômetros da costa da Flórida. A opção só foi engavetada depois que as duas superpotências estiveram na iminência de cometer o gesto tresloucado, durante a Crise dos Mísseis em Cuba (1962).

Ações secretas
Lewis Gaddis faz também um relato vívido da chamada "détente", na década de 1970, quando os dois contendores, às voltas com a estagnação de suas economias e a contestação em suas áreas de influência (Vietnã, Tchecoslováquia, Maio de 1968), concordaram em congelar o status quo na Europa. Enquanto isso, a Guerra Fria esquentava, por procuração, no chamado Terceiro Mundo.
Gaddis não se detém nesse aspecto, pois seu foco está voltado para a Europa e para os reflexos da Guerra Fria dentro dos EUA. A respeito das ações secretas ordenadas por Richard Nixon - como o bombardeio do Camboja-, o historiador lamenta, sobretudo, que elas tenham contribuído para a redução dos poderes presidenciais em seu país.
"O Congresso (...) começou a aprovar leis para limitar o emprego da capacidade militar dos Estados Unidos. Foi como se a nação tivesse se tornado seu próprio inimigo", escreve.
Se os EUA apoiaram ditadores e golpes numa longa lista de países, isso aconteceu porque, afirma Gaddis, "a Guerra Fria transformou os líderes americanos em Maquiavéis", que, diante de "tanta gente que não era virtuosa", resolveram aprender a não ser virtuosos.
Quando o Muro de Berlim finalmente caiu (1989) e a União Soviética se dissolveu (1991), analisa Gaddis, isso se deu pela ação de líderes visionários, como Ronald Reagan e Margaret Thatcher, que ousaram reconciliar princípios morais e força.
A vitória americana foi também, conclui, resultado inevitável da disputa entre "comando" e "espontaneidade". Diante de um Leste Europeu que festejava o fim da dominação soviética, os EUA poderiam desfrutar do novo momento unipolar e jogar no lixo da história os desvios do passado. Lewis Gaddis diz no livro que não procura raízes, na Guerra Fria, "de fenômenos posteriores a ela, tais como globalização, limpeza étnica, extremismo religioso, terrorismo ou revolução da informação". Talvez resida aí sua principal falha: a maioria desses fenômenos atravessou a Guerra Fria e foi alimentada por ela. Enterrar o passado pouco agradável é o tipo de atitude que dá no Iraque.

HISTÓRIA DA GUERRA FRIA    
Autor: John Lewis Gaddis
Tradução: Gleuber Vieira
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 42 (336 págs.)


Texto Anterior: Música: Keane confirma shows no Brasil
Próximo Texto: Crítica/romance: "Homens em Armas" faz irresistível sátira ao cotidiano da Segunda Guerra
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.