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CINEMA - ESTRÉIAS
"Regras da Vida" é drama de chorar
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
A primeira pergunta que suscita
"As Regras da Vida" é: por que
histórias sentimentais devem ser
contadas sentimentalmente? Não
basta que sejam sentimentais?
Pode-se fazer essa pergunta ainda quando desfilam os créditos de
abertura. As imagens de Lasse
Hallstrom já mostram o quanto
serão melosas, e temos de escutar
uma música ainda mais melosa.
Esse é o tom que dominará o filme quase inteiro. Já seria problemático se fosse só isso. Mas Hallstrom não é um qualquer. É um artista. Um homem consciente de
que sua missão é fazer algo diferente do standard.
Temos então um filme de grandes temas: a orfandade, a descoberta da vida, o desejo e suas surpresas. Também haverá temas
menores, que na verdade seriam
os mais interessantes -como o
aborto, as drogas (e seu uso por
médicos)-, caso Hallstrom não
desse tanto crédito ao caráter homérico do percurso de Homer
Wells (Tobey Maguire).
Homer cria-se em um orfanato
do Maine, tendo por pai adotivo o
médico da instituição, Wilbur
Larch (Michael Caine) e, na mente, histórias de Charles Dickens
sobre crescer, tornar-se homem,
tomar o destino em suas mãos.
Homer é também assistente de
Larch e convive com a realidade
deprimente do orfanato: mães
que abandonam os filhos após
dar à luz, crianças adotadas por
estranhas criaturas, outras que
sucumbem às próprias fraquezas
etc.
Já homem, Homer pega a estrada e vai se tornar colhedor de maçãs. O orfanato podia ser limitado, mas a vida ali tinha regras
muito claras, e a aventura de Homer consistirá em descobrir o
caos do mundo (inclusive sendo
atingido por ele).
O roteiro proposto por John Irving está longe de ser desinteressante. Há quem diga, ao sair do
filme, que a história é previsível.
Mas a previsibilidade não é um
bom critério para aferir o valor de
uma história. Podemos assistir a
um bom filme sabendo previamente seu final (como "Crepúsculo dos Deuses", para ficar num
caso exemplar), mas isso não nos
afeta.
No caso, porém, a previsibilidade está menos na história do que
na "mise en scène". Assim, quando Homer encontra a jovem
Candy (Charlize Theron), Lasse
Hallstrom nos oferece tantas pistas do que virá a seguir que podemos deduzir a evolução da história com uma hora de antecedência, tornando o enredo supérfluo.
Ao contrário, quando seria conveniente fornecer algumas indicações sobre fatos que estão a caminho (como um caso escabroso de
incesto que acontece a horas tantas), o filme se cala e temos a impressão, quando a história é revelada, de estarmos diante de algo
plenamente arbitrário.
Com isso, não é de estranhar
que os 127 minutos de projeção
acabem parecendo um pesadelo,
em que boas idéias de roteiro acabam sendo massacradas por uma
direção terrivelmente enfadonha,
e sobrem apenas alguns momentos de observação da vida no orfanato, ou ainda a cena sensual em
que Homer e Candy se reconhecem apaixonados -cena que faz
justiça à origem sueca do diretor,
embora não dure mais que cinco
ou dez segundos.
A questão que "Regras da Vida"
deixa no ar, angustiante, é: como
pode um filme desses ser indicado
para sete Oscar (incluindo melhor
filme e direção)? Certo, a história
nos ensina a não confiar em premiações em geral e no Oscar em
particular.
Ainda assim, os indicados deste
ano espantarão os cinéfilos criados nos anos 60/70, quando o cinema podia ser visto e sentido como a arte moderna por excelência. Nesse melaço regressivo de
Lasse Hallstrom tudo parece querer nos fazer chorar. O único motivo para chorar, no entanto, parece ser o destino do cinema, mais
maltratado aqui do que criança de
orfanato.
No mais, será justo creditar a
Hallstrom a boa direção das
crianças em cena. E alguns atores,
Tobey Maguire e Michael Caine
em particular, estão muito bem. É
bem pouco.
Avaliação:
Filme: Regras da Vida (The Cider House
Rules)
Direção: Lasse Hallstrom
Produção: EUA, 99
Com: Michael Caine, Tobey Maguire,
Charlize Theron
Quando: a partir de hoje, nos cines
Lumière 1, SP Market 4 e circuito
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