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CINEMA - ESTRÉIAS
"Um Só Pecado" é Truffaut com frescor
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
"Um Só Pecado" trata de adultério, mas não tem nada a ver com
os rotineiros melodramas e as
atrações fatais de Hollywood.
Consciência da carpintaria, gêneros fluidos e a ausência de catarse
terapêutica e punitiva fazem com
que, passados 36 anos de seu lançamento, "La Peau Douce" volte
com frescor.
O diretor François Truffaut
(1932-1984), um dos artífices da
nouvelle vague, está aqui no registro de crítico de Cahiers du Cinéma e cineasta de "Atire no Pianista" (60) e "Jules e Jim" (61).
Na trama, o escritor Pierre Lacheny (Jean Desailly) vai a Lisboa,
a bordo de um avião da Pan Air
do Brasil, para dar palestra sobre
Balzac e se apaixonar pela aeromoça Nicole (Françoise Dorléac,
irmã de Catherine Deneuve, morta em acidente de carro em 67). A
partir daí, ele luta para conciliar
sua paixão com os deveres de intelectual e homem casado.
Lacheny, que escreve o livro
"Balzac e o Dinheiro", aparece na
televisão e apresenta num cinema
de província o filme de Marc Allégret sobre André Gide, é um homem que amava e usava as mulheres (o final, avesso ao moralismo americano, afirma o olhar da
mulher como sujeito de suas
ações e destino).
A decupagem do filme permite
"acidentes" estranhos ao olhar viciado de hoje. São "falhas" que
Godard instituiu como norma
gramatical em seus filmes mas
que Truffaut usa em poucos momentos de "Um Só Pecado": cortes abruptos, rápidas panorâmicas, falsa continuidade de cenas.
Esse "desleixo" formal é uma
das molas de Truffaut contra o
mito industrial de perfeccionismo
técnico, fazendo o filme respirar
como organismo vivo. Segue o
sentido de urgência da história (já
no início temos a correria contra
o atraso do vôo) e do prosaico e
do acaso (fatos que mudam e
truncam o rumo das coisas).
Em "Um Só Pecado", a colaboração de Truffaut com um fotógrafo e um músico remete à parceria destes com Godard, que naquele ano de 1964 realizou "Uma
Mulher Casada".
A extraordinária fotografia em
preto-e-branco e os elétricos movimentos de câmera de Raoul
Coutard são uma marca pessoal
(por exemplo, a chegada ao bar, a
descida pelo elevador). As panorâmicas no apartamento lembram "Uma Mulher É uma Mulher" (Godard, 1961). A trilha de
Georges Delerue exprime o ânimo das situações (como, ao conseguir o encontro com a aeromoça, Lacheny comemora acendendo as luzes do quarto e a música
vai num crescendo de entusiasmo). Um dos temas cita a música
de "O Desprezo" (Godard, 1963).
Se para esses seres à deriva o
mundo frágil da ilusão desaba e
não decola, um bom símbolo é a
breve e evanescente fusão da imagem de Lacheny e Nicole se beijando com a do avião dando voltas na pista.
Avaliação:
Filme: Um Só Pecado (La Peau Douce)
Direção: François Truffaut
Produção: França, 1964
Com: Françoise Dorléac, Jean Desailly,
Nelly Benedetti
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
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