São Paulo, sexta-feira, 03 de março de 2006

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CINEMA/ESTRÉIAS

Diretor inglês faz drama focado na interpretação de Judi Dench

Em "Sra. Henderson Apresenta", Stephen Frears perde o vigor

CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Toda história tem uma moral, e toda moral tem uma história. Com sua fé inabalável nessa crença, o diretor britânico Stephen Frears soube traduzi-la para o cinema, produzindo tantos filmes ótimos e alguns menos bons. "Minha Adorável Lavanderia", "Ligações Perigosas" e "Os Imorais", por exemplo, são hoje clássicos que se enquadram na primeira categoria. "Senhora Henderson Apresenta" pertence ao segundo time.
Sobre um pano de fundo de depressão econômica e do impacto dos bombardeios noturnos de Hitler a Londres, Frears narra uma história de confrontos de valores projetada nos cenários de um teatro de variedades. Recém-viúva, a esnobe senhora Henderson (Judi Dench), em vez de se entregar aos passatempos domésticos, decide comprar um teatro. É quando atravessa seu caminho o idiossincrático diretor Vivian van Damm (Bob Hoskins).
A dupla, do tipo dois-que-se-odeiam-e-se-amam, além de se enfrentar, encara a falta de recursos e as ameaças da censura, os bombardeios e as perdas humanas para manter o negócio de pé. E Frears elabora seu filme como um afresco dessa dinâmica.
Enquanto interessado em mergulhar no universo do teatro, com sua balbúrdia nos bastidores, as rigorosas audições, a criatividade em tempos de penúria e a própria cena, feita de deliciosos (e kitsch) números musicais, Frears faz bem o papel de bom aluno. Mesmo um tanto fora de seu habitat, resolve tudo com elegância e reverência, permitindo ao espectador identificar ali um tributo ao mestre inglês Michael Powell. Essa homenagem aparece, sobretudo, na presença da fantasia como defesa contra a destruição, do teatro como lugar seguro durante os bombardeios, uma das belas idéias postas em cena aqui.
Mas é quando precisa se deslocar do geral e enfocar o particular que o filme decepciona. A impressão é que o fato de poder contar com dois atores tão exuberantes (e juntos Dench e Hoskins dão um show) deslocou o esforço de Frears daquilo que é sua especialidade: a crítica dos valores e a demonstração de que os bons costumes estão sempre condenados a caducar.
Ela existe e até sustenta algumas das tantas reviravoltas do roteiro, mas aparece de modo apenas ilustrativo. Por exemplo, no confronto com a censura, quando a senhora Henderson rompe o pudor de exibir a nudez no palco.
Ao se concentrar demasiado em uma personagem, por mais rica, simpática e desafiadora que ela seja, o filme acaba se aparentando demais ao espetáculo de atriz, cujo show particular, com todo direito, enche os olhos, mas seu interesse termina aí. É como se "Ligações Perigosas" fosse mais um filme de Glenn Close e não que esta estivesse ali a serviço da marquesa de Merteuil.
"Senhora Henderson Apresenta" não chateia, não cansa e até diverte. Mas quem conhece as ousadias do diretor vai sentir falta de uma assinatura mais vigorosa. E sair do cinema com a impressão de ter visto um filme imaginado por Stephen Frears e dirigido por James Ivory.


Sra. Henderson Apresenta
Mrs. Henderson Presents
  
Produção: Inglaterra, 2005
Direção: Stephen Frears
Com: Judi Dench, Bob Hoskins
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Sala UOL de Cinema e circuito


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