|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA/"RITMO DE UM SONHO"
Drama indie flerta com Hollywood
SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se independente é o filme
realizado à margem da indústria, com poucos recursos, "Ritmo de um Sonho" preenche o requisito. Mas, se independente
também é, na tradição de John
Cassavetes, experiência alternativa que fuja dos chavões dramáticos do cinema de massa, tem gato
se fazendo de lebre por aqui.
Nada mais sintomático da ambigüidade que a inserção entre os
candidatos ao Oscar, com duas
indicações (melhor ator e canção), em temporada que celebra
novo conceito de independente
-feito com baixo orçamento e
pretensão adulta, mas sob o conveniente guarda-chuva dos grandes estúdios, em divisões com relativa autonomia.
O cineasta John Singleton, que
produz "Ritmo de um Sonho", fez
de sua carreira emblema do hibridismo americano. Começou com
o agressivo "Os Donos da Rua"
(91), que lhe valeu, no rápido processo de integração à indústria,
indicações ao Oscar como diretor
e roteirista. Em seguida, realizou
videoclipe para Michael Jackson e
longas como "Shaft" (00) e "Mais
Velozes e Mais Furiosos" (03).
A cultura pop e negra dos EUA,
que perpassa todos eles, é retomada em cenário incomum quando
se fala desse universo, Memphis
(Tennessee), onde o diretor e roteirista Craig Brewer, 34, ambientou seu primeiro longa, "The Poor
and Hungry" (00), sobre um ladrão de carros.
Outro personagem das ruas
tenta sair da sarjeta: um cafetão
(Terrence Howard, de "Ray" e
"Crash - No Limite") que, por
causa da absoluta falta de perspectivas, quer pular fora do negócio -no fundo, da própria vida- para se tornar um rapper.
Seu espelho, e eventual fada madrinha, é um cantor bem-sucedido (o rapper Ludacris, de
"Crash"). Desenha-se o contraste:
de um lado, o cotidiano inglório
de gerenciar prostitutas e passar
drogas; de outro, a fé em uma saída que talvez não venha. E o tempo corre.
A tentação de resumir tudo à
notável atuação de Howard, que
também canta, cai por terra diante do bom desempenho de todo o
elenco e da profunda imersão na
cultura hip hop. Embora Brewer
dedique o trabalho a Sam Phillips,
empresário de Elvis Presley, a
Memphis recriada por ele pulsa
unicamente, e como pulsa, ao
som do rap.
A escola independente ensina a
criar autenticidade, que o filme
exibe com fluência, mas o flerte
com a indústria (ou com os meios
e canais que oferece) o joga em
sentido contrário, o da mágica
fonte hollywoodiana de soluções
para problemas sociais e existenciais. Não há mal nisso, desde que
se reconheça que não só cafetões
com aspiração a rappers perseguem o sucesso.
Ritmo de um Sonho
Hustle & Flow
Produção: EUA, 2005
Direção: Craig Brewer
Com: Terrence Howard, Ludacris
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Arteplex, Vitrine e Cine Bombril
Texto Anterior: Cinema/Estréias: Em "Sra. Henderson Apresenta", Stephen Frears perde o vigor Próximo Texto: Série: Prinze Jr. confunde graça com canastrice Índice
|