São Paulo, sexta-feira, 03 de março de 2006

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CRÍTICA/"RITMO DE UM SONHO"

Drama indie flerta com Hollywood

SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se independente é o filme realizado à margem da indústria, com poucos recursos, "Ritmo de um Sonho" preenche o requisito. Mas, se independente também é, na tradição de John Cassavetes, experiência alternativa que fuja dos chavões dramáticos do cinema de massa, tem gato se fazendo de lebre por aqui.
Nada mais sintomático da ambigüidade que a inserção entre os candidatos ao Oscar, com duas indicações (melhor ator e canção), em temporada que celebra novo conceito de independente -feito com baixo orçamento e pretensão adulta, mas sob o conveniente guarda-chuva dos grandes estúdios, em divisões com relativa autonomia.
O cineasta John Singleton, que produz "Ritmo de um Sonho", fez de sua carreira emblema do hibridismo americano. Começou com o agressivo "Os Donos da Rua" (91), que lhe valeu, no rápido processo de integração à indústria, indicações ao Oscar como diretor e roteirista. Em seguida, realizou videoclipe para Michael Jackson e longas como "Shaft" (00) e "Mais Velozes e Mais Furiosos" (03).
A cultura pop e negra dos EUA, que perpassa todos eles, é retomada em cenário incomum quando se fala desse universo, Memphis (Tennessee), onde o diretor e roteirista Craig Brewer, 34, ambientou seu primeiro longa, "The Poor and Hungry" (00), sobre um ladrão de carros.
Outro personagem das ruas tenta sair da sarjeta: um cafetão (Terrence Howard, de "Ray" e "Crash - No Limite") que, por causa da absoluta falta de perspectivas, quer pular fora do negócio -no fundo, da própria vida- para se tornar um rapper.
Seu espelho, e eventual fada madrinha, é um cantor bem-sucedido (o rapper Ludacris, de "Crash"). Desenha-se o contraste: de um lado, o cotidiano inglório de gerenciar prostitutas e passar drogas; de outro, a fé em uma saída que talvez não venha. E o tempo corre.
A tentação de resumir tudo à notável atuação de Howard, que também canta, cai por terra diante do bom desempenho de todo o elenco e da profunda imersão na cultura hip hop. Embora Brewer dedique o trabalho a Sam Phillips, empresário de Elvis Presley, a Memphis recriada por ele pulsa unicamente, e como pulsa, ao som do rap.
A escola independente ensina a criar autenticidade, que o filme exibe com fluência, mas o flerte com a indústria (ou com os meios e canais que oferece) o joga em sentido contrário, o da mágica fonte hollywoodiana de soluções para problemas sociais e existenciais. Não há mal nisso, desde que se reconheça que não só cafetões com aspiração a rappers perseguem o sucesso.


Ritmo de um Sonho
Hustle & Flow
   
Produção: EUA, 2005
Direção: Craig Brewer
Com: Terrence Howard, Ludacris
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Arteplex, Vitrine e Cine Bombril


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