São Paulo, sábado, 03 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros

Ambientalistas reavaliam Amazônia

Autores de clássico sobre preservação da região agora defendem o desenvolvimento sustentável e o governador Blairo Maggi

Descoberta de antigas civilizações produtivas e a necessidade de atender ao componente humano teriam provocado mudança


Araquém Alcântara
Madeira flutua no rio Negro; desenvolvimento sustentável é tema do livro "The Last Forest", de Brian Kelly e Mark London


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Brian Kelly e Mark London visitaram a Amazônia nos anos 80 e escreveram um livro ("Amazonas: Um Grito de Alerta") que se tornou clássico no tema: foi o primeiro a alertar para o conflito entre desenvolvimento econômico e preservação da maior floresta tropical do mundo.
Após 25 anos, voltaram ao Brasil e constataram que o dilema persiste. Mas muita coisa mudou. Os dois autores, que há um quarto de século eram vistos como ambientalistas, agora lançam outro livro, "The Last Forest" (a última floresta, Random House, 336 págs., US$ 25,95, R$ 55), que talvez venha a chocar antigos admiradores.
O novo trabalho, por exemplo, já não corrobora a tese de que qualquer atividade econômica na Amazônia pode destruí-la e, portanto, deva ser evitada. A mudança de posição se deu por pelo menos dois motivos. O primeiro é científico. A tese de que a Amazônia não é capaz de sobreviver com atividades econômicas foi desmontada por pesquisas recentes de arqueólogos que provaram a existência de civilizações produtivas na região centenas de séculos antes da chegada dos europeus.
"A crença longamente sustentada de que a Amazônia é um Éden perdido foi destroçada", dizem eles. "Por muito tempo, grandes porções da Amazônia foram utilizadas sem destruição por povos inteligentes que conheciam modos de fazê-lo que nós ainda temos de aprender." Por mais de 10 mil anos, a Amazônia não foi -como se julgava- pura, primitiva. "Se civilizações mais antigas se estabeleceram com sucesso ali antes de os europeus chegarem com suas doenças e armas, por que isso não pode acontecer de novo?"

Chico Mendes

A segunda razão é prática. Não se pode excluir da floresta as pessoas que vivem nela e se mantêm graças a ela. London e Kelly dizem que foi a morte de Chico Mendes (1988) que colocou na foto da Amazônia os seres humanos. Antes, falava-se da floresta como se nela apenas existissem animais e plantas.
"Qualquer solução para os problemas ambientais precisa dar conta desse componente humano também. A solução extrema -cercar a floresta com arame farpado e manter todo mundo longe dela- pode ter atraído a imaginação de grupos em Londres e Washington, mas ignorava a realidade."
Há 25 anos, a população humana da Amazônia era 5% da brasileira. Atualmente, é 10% do total do país. São 21 milhões de pessoas que não podem ter seu interesse esquecido, dizem. Eles não minimizam a destruição que tem ocorrido, embora prefiram dizer que ela está sendo transformada em vez de destruída.
Quando fizeram sua primeira viagem à região, 3% da floresta haviam sido destruídos. Agora, são 20%. London e Kelly defendem que a devastação seja interrompida. Mas dizem que nas áreas onde já há plantações de soja, por exemplo, elas podem continuar a produzir.

Sistema de zoneamento
O que sugerem é um sistema de zoneamento que permita tanto a preservação de mata não-destruída quando a exploração sustentável onde já não há mais floresta, cerca de 40 milhões de hectares.
O zoneamento deveria nortear, por exemplo, a política de investimentos em rodovias. London e Kelly são contra a construção da BR-319, de Manaus a Porto Velho, porque ela seria um corredor novo para mais desmatamento, mas a favor da repavimentação da BR-364 (que vai do Acre a Mato Grosso) e do asfaltamento da Cuiabá-Santarém para facilitar a escoação do que se produz às suas margens.
A posição possivelmente mais controvertida do livro é a que diz respeito a Blairo Maggi, o governador do Mato Grosso. Considerado inimigo público número um da Amazônia por grupos ambientalistas, Maggi é visto com condescendência por London e Kelly. Para eles, Maggi "controla o desenvolvimento do futuro da Amazônia mais do que qualquer outra pessoa...
Descartá-lo como um oligarca provinciano do Terceiro Mundo seria uma bobagem". Na sua opinião, há uma enorme diferença (para melhor) entre o projeto agrário de Maggi e o Jari, do bilionário americano Daniel Ludwig, que nos anos 60 e 70 previa extrair árvores de um território de 260 mil hectares amazônicos.
"Maggi é um brasileiro nacionalista que opera num mundo multilateral e sem fronteiras... Seu legado é simples: ele aprendeu como criar soja num lugar em que ninguém imaginava que fosse possível e descobriu como enviá-la de locais inacessíveis aos consumidores do mundo inteiro. Nesse processo, iniciou uma revolução que está transformando a floresta inteira -se para o bem ou para o mal, ainda está para se definir."

Defesa da soberania
Se esse discurso pode criar celeuma no Brasil, outro adotado por London e Kelly será bem recebido aqui. Eles são decididamente contrários à noção de que a Amazônia possa ser internacionalizada. Defendem que o Brasil é responsável pelo território amazônico e deve ser soberano para decidir o que fazer ali.
"A Amazônia representa um desafio para o Brasil em seu processo de construção, uma oportunidade para robustecer sua cidadania e criar um sentido positivo de participação coletiva... O desafio também apresenta ao Brasil a oportunidade de se desincumbir de uma enorme responsabilidade na família das nações -a de servir como guardião do maior repositório do mundo de biodiversidade e fonte de água fresca, assim como de um grande fator de estabilidade para o clima."
Para que o país possa se sair bem dessa tarefa, advogam que a comunidade internacional proveja o Brasil com recursos materiais para tanto. Argumentam que se os EUA e outras potências mostram-se dispostas a pagar à Coréia do Norte para que ela desista de seus projetos nucleares e, assim, evitar uma catástrofe mundial, por que não fazer algo similar com o Brasil para evitar uma tragédia climática?
"A Amazônia hoje é muito diferente do seu estereótipo histórico. Há uma luta que ocorre entre seus habitantes para transformar oportunidade num mundo produtivo e para criar um sentimento de pertencimento em relação a esse mundo. A resistência contra tal esforço deve ser quebrada. O resultado dessa luta vai influenciar o destino do ambiente de todo o planeta e de milhões de pessoas em busca de participar da economia global."

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de relações institucionais da Patri Políticas Públicas. É membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do conselho editorial da "Revista de Política Externa".

ONDE ENCOMENDAR - Livros em inglês podem ser encomendados no site www.amazon.com


Texto Anterior: Fabio de Souza Andrade: Emprestando óculos aos ossos
Próximo Texto: Crítica/romance: O'Nan utiliza velho realismo psicológico e tem bom resultado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.