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NELSON ASCHER
Como, quando e onde
Malgrado sua semelhança estrutural, esquerda e direita se diferenciam em alguns aspectos relevantes
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ESQUERDA E direita são maneiras de ver o mundo voltadas
para a ocupação da esfera pública e dispostas a sacrificar a esfera
privada a seus interesses. Tanto para uma como para a outra, quem não
é seu partidário deve, necessariamente, sê-lo do campo oposto. Ambas têm em comum descrerem seja
da neutralidade, seja da possibilidade de existirem modos de pensar
que não ponham a política no centro. Qualquer enfoque distinto é logo traduzido em seus termos. Uma
pessoa que se defina, por exemplo,
como cristã precisa ser escrutinada:
trata-se de um reacionário ou terá
aderido à Teologia da Libertação.
De forma similar, qualquer elemento da vida individual ou social
adquire seu verdadeiro sentido apenas de acordo com a resposta à pergunta básica: a que e a quem isto serve, ao progresso ou à reação?
Daí que, sobretudo para a esquerda, não possa existir nada fora dela
que não seja a direita, aliás, extrema-direita, ou melhor, o inimigo, assim
como, aos olhos de uma religião imperialista, tampouco existem outras
religiões, diferentes entre si, além de
agnósticos, ateus e indiferentes -há
somente pagãos e infiéis.
Embora muitos se valham de alguns de seus conceitos para montar
sua própria caixa desencontrada de
ferramentas interpretativas, a maioria vive sem requerer explicações totalizantes. E a maioria, é claro, também não está em guerra com a ordem das coisas nem pretende alterá-la: um ajuste aqui, uma adaptação ali
lhe bastam. Não é o caso de afirmar
que as ideologias inexistem ou terminaram, mas de constatar que elas
sempre foram paixão minoritária.
Malgrado sua semelhança estrutural, esquerda e direita se diferenciam em alguns aspectos relevantes,
o principal dos quais talvez seja o seguinte: a esquerda propõe uma certa
universalidade (geralmente falsa)
que seria superior a todos os particularismos, enquanto a direita fala
em nome de algum particularismo
que pretende se sobrepor aos rivais.
Tipicamente, no âmbito da questão nacional, esquerdistas pregariam o internacionalismo, e direitistas, a hegemonia de um país ou de
uma aliança. Mas essa contraposição raramente se sustenta na prática, pois se, ensaios de "governança
mundial" como a ONU só potencializam a influência de ditaduras aferradas a seus particularismos, a hegemonia de nações democráticas ainda constitui a melhor defesa de valores universalistas.
Seja como for, a predisposição direitista, por um lado, é a de selecionar convenientemente fatos que
provem a superioridade de seu particularismo, e a esquerdista, por outro, é a de, por meio da manipulação
argumentativa, converter seus particularismos de estimação (a URSS,
a Argentina durante a Guerra das
Malvinas, Cuba, a causa palestina)
em universalismos de fancaria.
Como sugeri na coluna da semana
passada, esquerda e direita são maneiras totalizantes de pensar o mundo que dificilmente desaparecerão.
Quando se imagina que um terremoto histórico as varreu, que os fatos, desmentindo-as, tornaram-nas
irrelevantes, elas reaparecem com
roupas novas. Porque ambas desprezam os valores essenciais das sociedades abertas, a democracia representativa, a democracia produtiva (o livre mercado de bens e serviços), a autonomia dos indivíduos e o direito destes inclusive a errar, a
prudência manda monitorá-las para
saber que forma assumiram e por
onde andam.
Resumindo conclusões que valem
a pena desdobrar no futuro, pode-se
afirmar que a direita mais característica nos dias atuais é o fundamentalismo islâmico. Convém sublinhar
que ele não coincide com a religião
chamada Islã. É uma mutação cujas
metas e métodos são, não religiosos,
mas políticos, pois, ao contrário das
demais religiões, não lhe é suficiente
atuar na área de esfera privada: ele
almeja a transformação de sociedades inteiras nas quais todos, até os
que não o seguem, teriam de se submeter a suas leis.
Quanto à esquerda contemporânea, suas ambições não são menores. A clássica falava, modestamente, em erradicação da miséria e, depois, em justiça social (leia-se: igualitarismo de resultados). Sua pretensão máxima, no entanto, era
criar o "novo homem", uma utopia
que, de tão nobre, nem sequer recuava diante do extermínio de milhões de homens antigos. Esta não
seria alcançada pelo voto, mas através da conquista do Estado por uma
elite que, então, para o bem de todos,
mesmo dos que não o quisessem,
transformaria radicalmente a sociedade. Ninguém hoje acalenta sonhos semelhantes com tanto ardor
como a linha-dura dos movimentos
ambientalistas.
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