São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2011

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comida

Assassinaram o camarão

Donos e chefs de restaurantes se queixam do preço do camarão-rosa, que nunca subiu como neste ano; pesquisadores científicos dizem que espécie está escassa

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Há 20 anos no mercado de camarão, a família de Khadun nunca deixou de abastecer os clientes em São Paulo. Pela primeira vez, no entanto, a empresa está enfrentando uma "falta geral".
Um barco industrial antes pescava em média 60 quilos de camarão-rosa por noite. Hoje, a conta foi reduzida a um quarto daquilo: pesca-se 15 quilos. E o valor sobe.
Subiu de maneira tão "fora do comum", que o assunto virou burburinho em rodinha de chefs. Outro dia, Benny Novak, do Ici, trocava informações sobre isso com Raphael Despirite, do Marcel. Ambos indignados.
A história se repete nos bastidores de outros restaurantes que servem frutos do mar -e, na maior parte das vezes, alcança o bolso dos clientes. Carro-chefe do La Paillote, por exemplo, o camarão à provençal passou de R$ 130 para R$ 180 (seis unidades), em três meses.
"Meus fornecedores não têm o produto. Pago o preço que pedem para manter o camarão no cardápio", diz Maria de Lourdes Valluis, da família que está à frente da casa desde os anos 50.
No Le French Bazar, a decisão foi mais radical. Dudu Borger tirou seus camarões grelhados de circulação. "Não vou usar mercadoria com preços exorbitantes."
Pilico e Bia, donos da casa homônima, usam outra estratégia para driblar a situação. "A gente procura comprar uma quantidade maior do mesmo fornecedor, aproveitando peixe, polvo, marisco. Com um pacote maior, conseguimos um desconto", diz Pilico. Ainda assim, pratos que levam o crustáceo subiram até 15%.

ESCASSEZ X ESTOQUE
Para o pesquisador Evandro Severino Rodrigues, do Instituto de Pesca -órgão público de pesquisa que visa facilitar e aprimorar a atividade-, o camarão-rosa está em sobrepesca.
"Há um declínio que vem se acentuando." Para evitar colapso, foi instituído um período no qual a pesca é proibida (leia ao lado).
Nesse período, os restaurantes armazenam camarões congelados. "Foi difícil fazer estoque neste ano por conta da escassez. Está com o preço fora de propósito. Sempre sobe nesta época, mas começou a subir bem antes do defeso", diz Edmur Colli, dono do tradicional Rufino's.
O cenário não é diferente para Decio Silveira, há cinco anos no Tomates e Bananas, pequeno restaurante que serve apenas camarão. Mesmo familiarizado com a subida dos preços neste período, diz nunca ter visto aumento como este nem falta de camarão no mercado. Mais rápido, logo providenciou estoque capaz de abastecer a casa até o final do defeso.
Por ora, contudo, extinção não é problema. Segundo o pesquisador do instituto, o camarão tem fecundidade "muito grande" e, mesmo que sobrem poucas fêmeas, elas "têm capacidade de recompor o estoque".
O que existe, no entanto, é uma "extinção econômica". "Não compensa mais para o setor pesqueiro, os barcos têm precisado complementar a pesca com polvo, peixes finos e lagostim", diz.

PESCA
Mais parrudos, os camarões-rosa são pescados na costa que vai do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro por embarcações de arrasto de fundo, que jogam redes tracionadas pelo barco, que impulsiona os animais para o fundo da malha, explica Roberto da Graça Lopes, também do Instituto de Pesca.
"É uma das pescas menos seletivas que existem. Vem com uma enorme fauna acompanhante de diferentes grupos, animais que morrem [durante a atividade] e são descartados", diz Lopes.
Apesar do alarde da escassez, profissionais da área apostam no equilíbrio da pesca em junho, quando a atividade for reaberta. É preciso esperar o fim do defeso para reavaliar a real situação do camarão-rosa.
Paralelamente, formou-se um núcleo de pesquisa do camarão-de-sete-barbas, capturado por uma frota mais costeira -e artesanal. "O que interessa é colher elementos e sugestões para que possamos questionar os órgãos administrativos e trazer uma gestão mais inteligente de pesca."


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