São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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CRÍTICA

Antena do cantor capta anticonvenções

DO ENVIADO AO RIO

O disco "forasteiro" é pista falsa, tanto quanto verdadeira -como sempre acontece quando se trata de Caetano Veloso. Há elementos "brasileiros" coalhados em toda a extensão do extenso disco de standards "A Foreign Sound".
"A New Carioca" lança o disco como axé chique, falso baiano, falso carioca, falso jamaicano, falsa portuguesa (como Carmen Miranda), falso norte-americano.
Standards de araque, a canção de Bob Dylan, a canção de Kurt Cobain e a não-canção do DNA de Arto Lindsay sofrem intervenções de músicos jovens como Davi Moraes e Pedro Sá. Tornam-se brasileiras falsas, no sentido tropicalista de ser. Saem em disparada à frente do álbum, por força ou efeito.
"Feelings", do falso estrangeiro Morris Albert, dá centro conceitual ao trabalho. É "trapaça" brasileira que enganou estrangeiros e virou emblema cafona norte-americano. É o momento kitsch de um disco de fina estampa cafona-chique. Tropicália.
"Diana", de Paul Anka, se finge de "Baby", de Caetano, que em 68 se inspirara na matriz cafona daquele iê-iê-iê de gringo. O grave de Elvis Presley vira o agudo de Caetano, em "Love me Tender", e o rock continua sendo o rock.
Os standards mais convencionais do disco se contorcem entre jazz norte-americano e bossa nova, recombinando as duas vertentes em diferentes intensidades e direções. Arrastam-se, belos, ao longo do álbum.
Causam estranhamento, porque concentram um Caetano que fala romanticamente sobre desilusão amorosa, sobre sonhos dourados que se acinzentaram, sobre sentimentalismo torturado. Expõem um homem convencional, o anti-Caetano Veloso.
Compõem um jogo de xadrez, um labirinto, um cubo mágico. Trazem à lembrança que ele foi um dos que mais amaram o Brasil entre os homens de seu tempo.
Trazem à tona que ele está novamente a se declarar estrangeiro, bem num momento em que seu país adorado esboça tentativas de orgulho e auto-estima.
Importa menos saber por que o brasileiro Caetano Veloso quer se dizer brasileiro afirmando-se estrangeiro.
Importa mais saber por que o brasileiro Caetano Veloso faz-se novamente antena avançada dos sentimentos de uma nação e de uma sociedade que se pensam conservadoras.
Intriga mais querer saber por que o Brasil, e não Caetano Veloso, não quer se declarar brasileiro e ao mesmo tempo altivo, orgulhoso, ousado, corajoso. "Um Som Forasteiro" ajuda a achar as pistas.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


A Foreign Sound
   
Artista: Caetano Veloso
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 30, em média



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