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MÚSICA
No dia dos 40 anos do golpe militar, compositor lança CD e afirma que musicalidade americana é melhor que brasileira
Caetano apresenta "alienígena" em inglês
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Copacabana Palace, 1º de abril
de 2004. Caetano Veloso, 61, apresenta a jornalistas brasileiros "A
Foreign Sound", feito de canções
em inglês. "O Dia da Mentira é o
dia da imprensa. Meu disco é de
verdade", compartimenta o autor
do livro "Verdade Tropical" (97),
sobre a data escolhida.
Nessas mesmas horas, o Brasil
"celebra" o aniversário da instalação do regime militar, que viveria
até a maioridade civil e acabou há
19 anos. "Foi uma experiência que
determinou o rumo da minha vida", diz o ex-exilado em Londres.
Avalia que, como compensação
a um governo de direita, a cultura
local passou a viver no pós-64 como que uma ditadura de esquerda. "Nesse sentido o tropicalismo
é de centro, concordo. Não é porque está com o PSDB ou em cima
do muro. A obrigação do artista é
estar acima do muro."
Centrista que é, acordou em 1º
de abril de 2004 e não quis se estender sobre o país de Lula, Dirceu, Waldomiro Diniz e José Roberto Santoro. "A gente já está de
saco cheio desse governo que é
muito mantenedor e pouco experimentador", disse. Só.
Mas disse sobre o impacto da
ditadura de direita em sua vida:
"Fui particular e diretamente tocado, não posso deixar de reconhecer. Talvez não estivesse lançando disco nenhum hoje se não
houvesse prisão ou exílio. Teria tido força para dar uma guinada na
vida, fazer filmes ou ensinar".
O disco "alienígena", como ele
chama, sai dia 8, simultaneamente na América Latina, do Norte,
Europa e Ásia. É a primeira vez
que isso acontece com um músico
daqui. A tiragem local é minguada, se considerada a pujança passada da indústria multinacional
brasileira. "No Brasil, a tiragem
inicial será de 50 mil, o que significa disco de ouro nos parâmetros
atuais", "celebra" o gerente-geral
da gravadora, José Antonio Eboli.
"Ninguém vai ouvir este disco
inteiro. É muita música, né?", graceja o cantor. São 23 músicas.
Ele compara o "Estrangeiro" de
1989 com o "forasteiro" de agora:
"É o oposto. Aquele era um disco
de canções brasileiras com músicos estrangeiros, gravado nos
EUA. Aqui eu disse: "Se vou fazer
música americana, vai ter que ser
só com músicos brasileiros, gravado no Brasil'".
Se "Estrangeiro" era experimentador e "A Foreign Sound" é
cheio de standards de rejeição romântica, então "A Foreign
Sound" é mantenedor? "Não
creio que seja um disco conservador." "Esse disco é monstro." "No
mercado estrangeiro não se concebe que um disco tenha ao mesmo tempo Irving Berlin e Nirvana. É meio pretensioso, experimental demais para eles."
Arrojado? "É. É mais maluco."
Mas, "como um todo, a musicalidade americana é melhor que a
brasileira". "Há uma ansiedade
no Brasil, que as pessoas vivem
como humilhação. Aqui você
nunca pode ser tão espontaneamente rebelde quanto seria um
grupo de rock ou hip hop americano", ataca cá.
"Um país não lançará o disco no
mesmo dia. Que país seria? A Inglaterra, que hoje é como Porto
Rico, uma ilha que pertence aos
EUA, atrelada automaticamente,
um "Estado Unido'", ataca lá.
Atacado ele também é, agredido
até. "Um carro em São Paulo emparelhou no meu, o cara falou:
"Seu filho da puta, por causa de
você o Brasil não vai para a frente'", ri. Houve também o menino
moicano do "Big Brother Brasil",
que disse que vomitaria em Caetano. "Quem?", faz charme. "Não
é ruim ele", faz expressão lasciva.
"As meninas do Bonde do Faz
Gostoso são lindas", refere-se ao
grupo de funk carioca. Diz se interessar pela "violência histórica"
do movimento. "Hoje os bailes de
periferia só tocam música produzida aqui, é uma virada histórica."
Enquanto gravava, diz que sentia vontade de iniciar outro, só de
inéditas suas, talvez só de sambas
ou canções sentimentais. "Esboços apareceram na minha cabeça,
tive que reprimi-los. Mas aguardem o retorno do recalcado."
Rio de Janeiro, entrevista coletiva no Dia da Mentira, do golpe
militar, da imprensa, da música
popular brasileira.
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