São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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MÚSICA

No dia dos 40 anos do golpe militar, compositor lança CD e afirma que musicalidade americana é melhor que brasileira

Caetano apresenta "alienígena" em inglês

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Copacabana Palace, 1º de abril de 2004. Caetano Veloso, 61, apresenta a jornalistas brasileiros "A Foreign Sound", feito de canções em inglês. "O Dia da Mentira é o dia da imprensa. Meu disco é de verdade", compartimenta o autor do livro "Verdade Tropical" (97), sobre a data escolhida.
Nessas mesmas horas, o Brasil "celebra" o aniversário da instalação do regime militar, que viveria até a maioridade civil e acabou há 19 anos. "Foi uma experiência que determinou o rumo da minha vida", diz o ex-exilado em Londres.
Avalia que, como compensação a um governo de direita, a cultura local passou a viver no pós-64 como que uma ditadura de esquerda. "Nesse sentido o tropicalismo é de centro, concordo. Não é porque está com o PSDB ou em cima do muro. A obrigação do artista é estar acima do muro."
Centrista que é, acordou em 1º de abril de 2004 e não quis se estender sobre o país de Lula, Dirceu, Waldomiro Diniz e José Roberto Santoro. "A gente já está de saco cheio desse governo que é muito mantenedor e pouco experimentador", disse. Só.
Mas disse sobre o impacto da ditadura de direita em sua vida: "Fui particular e diretamente tocado, não posso deixar de reconhecer. Talvez não estivesse lançando disco nenhum hoje se não houvesse prisão ou exílio. Teria tido força para dar uma guinada na vida, fazer filmes ou ensinar".
O disco "alienígena", como ele chama, sai dia 8, simultaneamente na América Latina, do Norte, Europa e Ásia. É a primeira vez que isso acontece com um músico daqui. A tiragem local é minguada, se considerada a pujança passada da indústria multinacional brasileira. "No Brasil, a tiragem inicial será de 50 mil, o que significa disco de ouro nos parâmetros atuais", "celebra" o gerente-geral da gravadora, José Antonio Eboli.
"Ninguém vai ouvir este disco inteiro. É muita música, né?", graceja o cantor. São 23 músicas.
Ele compara o "Estrangeiro" de 1989 com o "forasteiro" de agora: "É o oposto. Aquele era um disco de canções brasileiras com músicos estrangeiros, gravado nos EUA. Aqui eu disse: "Se vou fazer música americana, vai ter que ser só com músicos brasileiros, gravado no Brasil'".
Se "Estrangeiro" era experimentador e "A Foreign Sound" é cheio de standards de rejeição romântica, então "A Foreign Sound" é mantenedor? "Não creio que seja um disco conservador." "Esse disco é monstro." "No mercado estrangeiro não se concebe que um disco tenha ao mesmo tempo Irving Berlin e Nirvana. É meio pretensioso, experimental demais para eles."
Arrojado? "É. É mais maluco." Mas, "como um todo, a musicalidade americana é melhor que a brasileira". "Há uma ansiedade no Brasil, que as pessoas vivem como humilhação. Aqui você nunca pode ser tão espontaneamente rebelde quanto seria um grupo de rock ou hip hop americano", ataca cá.
"Um país não lançará o disco no mesmo dia. Que país seria? A Inglaterra, que hoje é como Porto Rico, uma ilha que pertence aos EUA, atrelada automaticamente, um "Estado Unido'", ataca lá.
Atacado ele também é, agredido até. "Um carro em São Paulo emparelhou no meu, o cara falou: "Seu filho da puta, por causa de você o Brasil não vai para a frente'", ri. Houve também o menino moicano do "Big Brother Brasil", que disse que vomitaria em Caetano. "Quem?", faz charme. "Não é ruim ele", faz expressão lasciva.
"As meninas do Bonde do Faz Gostoso são lindas", refere-se ao grupo de funk carioca. Diz se interessar pela "violência histórica" do movimento. "Hoje os bailes de periferia só tocam música produzida aqui, é uma virada histórica."
Enquanto gravava, diz que sentia vontade de iniciar outro, só de inéditas suas, talvez só de sambas ou canções sentimentais. "Esboços apareceram na minha cabeça, tive que reprimi-los. Mas aguardem o retorno do recalcado."
Rio de Janeiro, entrevista coletiva no Dia da Mentira, do golpe militar, da imprensa, da música popular brasileira.


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