São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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BIENAL DO LIVRO

Maior crítico teatral do país lança tese sobre peças do modernista, além de obra sobre Nelson Rodrigues

Sábato Magaldi tira seu Oswald da gaveta

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O tempo escorre muito lento para Oswald de Andrade (1890-1954). Mais "slow motion" ainda quando o assunto é seu teatro.
O modernista terminou sua última peça em 1937 e só 30 anos mais tarde teve, postumamente, sua primeira montagem "para valer", o histórico "O Rei da Vela" que José Celso Martinez Corrêa armou no Teatro Oficina.
A história agora se repete -e não como farsa. Três décadas depois de defender a sua tese de doutorado sobre a dramaturgia de Oswald na USP, um dos principais nomes da história da crítica teatral do país, Sábato Magaldi, leva, enfim, o trabalho às livrarias.
A editora Global lança durante a Bienal de São Paulo, que começa no próximo dia 15, o volume "Teatro de Ruptura", um dos primeiros ensaios sobre o teatro oswaldiano no mercado.
O livro vem em boa companhia. "Teatro de Obsessão", outro volume de Magaldi, será lançado em conjunto, reunindo textos do ensaísta sobre Nelson Rodrigues.
Se os ensaios sobre o autor de "Vestido de Noiva" não são inéditos, já apareceram como prefácios dos quatro volumes do Teatro Completo rodriguiano publicados pela Nova Fronteira entre 1981 e 1989, o trabalho sobre Oswald sai às ruas pela primeira vez.
E não por iniciativa do mineiro Magaldi, discreto. "Gosto de escrever, mas não me dedico muito a publicar. Fui deixando essa tese de lado e me esqueci dela. Um dia a Edla [sua mulher, a escritora e editora Edla van Steen], achando absurdo meu comportamento, pegou sem me consultar e levou para a editora. No fim eu gostei", explica a voz mansa do crítico.
Aos 76 anos, Magaldi não é propriamente um estreante nos livros. Da extensa ficha corrida de serviços prestados ao teatro brasileiro (o site da Academia Brasileira de Letras, onde é "dono" da cadeira 24, tem um bom resumo em www.academia.org.br/cads/24/ sabato.htm), basta lembrar o já clássico "Panorama do Teatro Brasileiro", de 1962.
Nessa época, mesmo o já "experiente" crítico Magaldi, que chegava a assistir e resenhar "152 espetáculos por ano", ainda não tinha enxergado a grandeza da dramaturgia de Oswald (de 30 anos antes), reconhece o próprio.
"Já conhecia os textos dele, mas só com a montagem de "O Rei da Vela" de Zé Celso [em 1967] eles ganharam corpo. Foi uma surpresa para todo mundo", afirma.
Em seu novo livro, que apesar de ser uma tese de doutorado é livre de academicismos, Magaldi se mostra surpreso já com as primeiras peças de Oswald, escritas em francês, nos anos 10, em parceria com Guilherme de Almeida.
O breve, mas contundente, conjunto completo das peças oswaldianas (são cinco) é o tema da entrevista à Folha, na qual o ensaísta (secretário da Cultura do Estado de SP/1975-79) aproveita para criticar a falta de uma política governamental de apoio ao teatro. Leia trechos a seguir.
 

Folha - Um dos aspectos mais característicos do teatro de Oswald de Andrade não está nem propriamente no teatro dele, mas fora. É o desconhecimento em torno dessa parte de sua obra. O que colaborou mais para isso? O hermetismo de suas peças, a radicalidade delas ou o próprio comportamento de Oswald, do "perde um amigo, mas não perde a piada"?
Sábato Magaldi -
Oswald escreveu essas peças na década de 30, quando estávamos em pleno Estado Novo. Era um tempo em que, como me disse Procópio Ferreira, era proibido falar no palco a palavra "amante". Como é que podia se encenar o teatro de Oswald? Ele estava completamente fora da estúpida realidade brasileira daquele momento. Ele ficou nesse ostracismo até porque no Brasil não temos o hábito de fuçar a história, a gente deixa, esquece. Talvez por ser um país novo, que está se construindo permanentemente, o culto dos valores históricos não existe. Até que o Oficina montou o "O Rei da Vela", a merecida explosão do Oswald.

Folha - O "radicalismo" de Oswald ainda o deixa de lado no cenário nacional? O número de trabalhos sobre a dramaturgia de Oswald, por exemplo, não é pequeno se compararmos com os que tratam de Nelson Rodrigues, por exemplo?
Magaldi -
É verdade, mas Oswald fez poucas peças. Nelson deixou 17 delas. E Nelson trabalhou a vida toda na imprensa. Ficou muito conhecido por isso. Tinha um lado espalhafatoso, no bom sentido, que fazia com que as coisas dele não ficassem na gaveta. Eu me lembro de entrar no bonde, e estarem todos com o jornal aberto na página do Nelson.

Folha - Oswald foi o único do chamado "núcleo duro" do modernismo brasileiro que tentou o teatro. Qual a hipótese do sr. para isso?
Magaldi -
Se você pensar bem, Alencar fez teatro, Machado de Assis fez teatro, mas depois, em geral, o teatro foi considerado uma coisa menor. Não havia também grandes companhias. Por isso penso que Os Comediantes, no Rio de Janeiro, a partir da estréia de "Vestido de Noiva", em 1943, e o TBC, em São Paulo, valorizaram muito o escritor brasileiro de teatro, que nunca teve muita importância. O teatro só foi realmente valorizado depois de 40 e 50.

Folha - As outras peças de Oswald já foram montadas a contento, no padrão de "O Rei da Vela"?
Magaldi -
Acho que "A Morta" [1937] ainda precisaria de uma encenação do nível de "O Rei". Já houve boas montagens, mas sem explorar todas as virtualidades da peça. No momento em que acontecer isso teremos outra surpresa.

Folha - O sr. acredita que existam hoje grupos habilitados para fazer a grande montagem de "A Morta"?
Magaldi -
Acho que a nova geração teatral é boa, mas o problema do teatro é complicado. Durante a ditadura, o teatro era subsidiado pelo governo. Não vou discutir se era intenção do pessoal da ditadura cooptar o teatro, coisa que não conseguiu, evidentemente. Mas o neoliberalismo foi fatal para o teatro. Acabou com todo o subsídio. Todo bom teatro na Europa é subsidiado pelo governo. Nos Estados Unidos várias fundações ajudam. No Brasil não temos nada. Fica difícil. Assim acho um milagre que nosso teatro não seja todo comercializado. Era de esperar que um governo que não é de direita desse um apoio sistemático. Mas não. É imperdoável.

Folha - "O Rei da Vela" esperou mais de 30 anos para ter a grande montagem. Quanto o sr. imagina que "A Morta" (1937) vai esperar?
Magaldi -
É difícil. As pessoas ficam no que é mais fácil financeiramente, o que é sucesso possível, ou na tradução das coisas de fora. É uma situação complicada.


TEATRO DE RUPTURA. Autor: Sábato Magaldi. Editora: Global. Quanto: R$ 32.


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