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BIENAL DO LIVRO
Maior crítico teatral do país lança tese sobre peças do modernista, além de obra sobre Nelson Rodrigues
Sábato Magaldi tira seu Oswald da gaveta
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O tempo escorre muito lento
para Oswald de Andrade (1890-1954). Mais "slow motion" ainda
quando o assunto é seu teatro.
O modernista terminou sua última peça em 1937 e só 30 anos
mais tarde teve, postumamente,
sua primeira montagem "para valer", o histórico "O Rei da Vela"
que José Celso Martinez Corrêa
armou no Teatro Oficina.
A história agora se repete -e
não como farsa. Três décadas depois de defender a sua tese de
doutorado sobre a dramaturgia
de Oswald na USP, um dos principais nomes da história da crítica
teatral do país, Sábato Magaldi, leva, enfim, o trabalho às livrarias.
A editora Global lança durante a
Bienal de São Paulo, que começa
no próximo dia 15, o volume
"Teatro de Ruptura", um dos primeiros ensaios sobre o teatro oswaldiano no mercado.
O livro vem em boa companhia.
"Teatro de Obsessão", outro volume de Magaldi, será lançado em
conjunto, reunindo textos do ensaísta sobre Nelson Rodrigues.
Se os ensaios sobre o autor de
"Vestido de Noiva" não são inéditos, já apareceram como prefácios
dos quatro volumes do Teatro
Completo rodriguiano publicados pela Nova Fronteira entre
1981 e 1989,
o trabalho sobre Oswald sai às
ruas pela primeira vez.
E não por iniciativa do mineiro
Magaldi, discreto. "Gosto de escrever, mas não me dedico muito
a publicar. Fui deixando essa tese
de lado e me esqueci dela. Um dia
a Edla [sua mulher, a escritora e
editora Edla van Steen], achando
absurdo meu comportamento,
pegou sem me consultar e levou
para a editora. No fim eu gostei",
explica a voz mansa do crítico.
Aos 76 anos, Magaldi não é propriamente um estreante nos livros. Da extensa ficha corrida de
serviços prestados ao teatro brasileiro (o site da Academia Brasileira de Letras, onde é "dono" da cadeira 24, tem um bom resumo em
www.academia.org.br/cads/24/
sabato.htm), basta lembrar o já
clássico "Panorama do Teatro
Brasileiro", de 1962.
Nessa época, mesmo o já "experiente" crítico Magaldi, que chegava a assistir e resenhar "152 espetáculos por ano", ainda não tinha enxergado a grandeza da dramaturgia de Oswald (de 30 anos
antes), reconhece o próprio.
"Já conhecia os textos dele, mas
só com a montagem de "O Rei da
Vela" de Zé Celso [em 1967] eles
ganharam corpo. Foi uma surpresa para todo mundo", afirma.
Em seu novo livro, que apesar
de ser uma tese de doutorado é livre de academicismos, Magaldi se
mostra surpreso já com as primeiras peças de Oswald, escritas
em francês, nos anos 10, em parceria com Guilherme de Almeida.
O breve, mas contundente, conjunto completo das peças oswaldianas (são cinco) é o tema da entrevista à Folha, na qual o ensaísta
(secretário da Cultura do Estado
de SP/1975-79) aproveita para criticar a falta de uma política governamental de apoio ao teatro. Leia
trechos a seguir.
Folha - Um dos aspectos mais característicos do teatro de Oswald
de Andrade não está nem propriamente no teatro dele, mas fora. É o
desconhecimento em torno dessa
parte de sua obra. O que colaborou
mais para isso? O hermetismo de
suas peças, a radicalidade delas ou
o próprio comportamento de Oswald, do "perde um amigo, mas
não perde a piada"?
Sábato Magaldi - Oswald escreveu essas peças na década de 30,
quando estávamos em pleno Estado Novo. Era um tempo em
que, como me disse Procópio Ferreira, era proibido falar no palco a
palavra "amante". Como é que
podia se encenar o teatro de Oswald? Ele estava completamente
fora da estúpida realidade brasileira daquele momento. Ele ficou
nesse ostracismo até porque no
Brasil não temos o hábito de fuçar
a história, a gente deixa, esquece.
Talvez por ser um país novo, que
está se construindo permanentemente, o culto dos valores históricos não existe. Até que o Oficina
montou o "O Rei da Vela", a merecida explosão do Oswald.
Folha - O "radicalismo" de Oswald ainda o deixa de lado no cenário nacional? O número de trabalhos sobre a dramaturgia de Oswald, por exemplo, não é pequeno
se compararmos com os que tratam
de Nelson Rodrigues, por exemplo?
Magaldi - É verdade, mas Oswald fez poucas peças. Nelson
deixou 17 delas. E Nelson trabalhou a vida toda na imprensa. Ficou muito conhecido por isso. Tinha um lado espalhafatoso, no
bom sentido, que fazia com que as
coisas dele não ficassem na gaveta. Eu me lembro de entrar no
bonde, e estarem todos com o jornal aberto na página do Nelson.
Folha - Oswald foi o único do chamado "núcleo duro" do modernismo brasileiro que tentou o teatro.
Qual a hipótese do sr. para isso?
Magaldi - Se você pensar bem,
Alencar fez teatro, Machado de
Assis fez teatro, mas depois, em
geral, o teatro foi considerado
uma coisa menor. Não havia também grandes companhias. Por isso penso que Os Comediantes, no
Rio de Janeiro, a partir da estréia
de "Vestido de Noiva", em 1943, e
o TBC, em São Paulo, valorizaram
muito o escritor brasileiro de teatro, que nunca teve muita importância. O teatro só foi realmente
valorizado depois de 40 e 50.
Folha - As outras peças de Oswald
já foram montadas a contento, no
padrão de "O Rei da Vela"?
Magaldi - Acho que "A Morta"
[1937] ainda precisaria de uma
encenação do nível de "O Rei". Já
houve boas montagens, mas sem
explorar todas as virtualidades da
peça. No momento em que acontecer isso teremos outra surpresa.
Folha - O sr. acredita que existam
hoje grupos habilitados para fazer
a grande montagem de "A Morta"?
Magaldi - Acho que a nova geração teatral é boa, mas o problema
do teatro é complicado. Durante a
ditadura, o teatro era subsidiado
pelo governo. Não vou discutir se
era intenção do pessoal da ditadura cooptar o teatro, coisa que não
conseguiu, evidentemente. Mas o
neoliberalismo foi fatal para o teatro. Acabou com todo o subsídio.
Todo bom teatro na Europa é
subsidiado pelo governo. Nos Estados Unidos várias fundações
ajudam. No Brasil não temos nada. Fica difícil. Assim acho um
milagre que nosso teatro não seja
todo comercializado. Era de esperar que um governo que não é de
direita desse um apoio sistemático. Mas não. É imperdoável.
Folha - "O Rei da Vela" esperou
mais de 30 anos para ter a grande
montagem. Quanto o sr. imagina
que "A Morta" (1937) vai esperar?
Magaldi - É difícil. As pessoas ficam no que é mais fácil financeiramente, o que é sucesso possível,
ou na tradução das coisas de fora.
É uma situação complicada.
TEATRO DE RUPTURA. Autor: Sábato
Magaldi. Editora: Global. Quanto: R$ 32.
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