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DRAUZIO VARELLA
A epidemia do fumo
Cada vez menos gente fuma
no Brasil. É o que comprova
o resultado da pesquisa conduzida pelo Ministério da Saúde em
sete capitais brasileiras, publicado nesta semana: o número de
dependentes de nicotina no país é
de aproximadamente 20%.
Tendo em vista que nos países
industrializados ente 22% e 25%
da população fuma, e que alguns
deles investem grandes somas na
prevenção e no tratamento do tabagismo, nossos números se tornam especialmente expressivos.
Afinal, para um país que investe
quase nada em prevenção e muito menos em tratamento para fumantes desejosos de se livrarem
da dependência, e que até ontem
era complacente com o cinismo
da publicidade do cigarro em horário nobre na TV, o resultado é
surpreendente.
Embora a falta de estudos semelhantes no passado não permita avaliar com precisão a velocidade com a qual a epidemia de
tabagismo se dissemina, certamente está ocorrendo uma queda
expressiva na prevalência de fumantes. Basta lembrarmos da
porcentagem de adolescentes que
fumava nos anos 60 e a dos que
fumam hoje.
Naquela época, o impacto da
propaganda do cigarro era universal: no cinema, na TV, no rádio e na música, todos os astros e
estrelas fumavam sem parar. Que
adolescente conseguia resistir ao
charme dos lábios de Rita Hayworth assoprando a fumaça para
o céu?
É verdade que já nos anos 50
numerosos estudos haviam demonstrado que fumar provoca
câncer, enfisema, ataque cardíaco e muitas outras doenças, mas a
estratégia de defesa adotada pela
indústria do tabaco foi a do contra-ataque: de um lado contratava técnicos para criticar a metodologia empregada nessas pesquisas; de outro, pressionava os
meios de comunicação para garantir que não fossem divulgadas.
Qualquer jornal, emissora de rádio ou de televisão que ousasse levantar a menor suspeita de que o
cigarro pudesse trazer algum malefício à saúde sofria retaliação financeira imediata.
A partir da Segunda Guerra
Mundial, essa compra de espaço
nos meios de comunicação, aliada a um tipo de publicidade dirigida sem nenhum pudor para aliciar as crianças, alastrou a epidemia da dependência de nicotina
pelo mundo inteiro. Na história
do capitalismo, raros crimes contra a humanidade foram executados com tal premeditação.
Mas os tempos mudaram. O poder dos fabricantes de cigarro nos
dias de hoje é sombra anêmica do
passado. Legalmente impossibilitados de inserir comerciais nos
jornais, no rádio e na TV, como
coagir a imprensa? Como impedir
campanhas para motivar fumantes a largar o hábito de fumar, como a apresentada em rede nacional pelo "Fantástico" no ano passado?
A perda de acesso aos meios de
comunicação de massa, o peso
das evidências médicas ao demonstrar que o fumo é a principal
causa de morte evitável em nosso
país e a ameaça de serem obrigados a pagar indenizações milionárias às famílias dos que morreram por causa do cigarro obrigaram os fabricantes a adotar nova
estratégia: a do silêncio. Quietinhos, têm a esperança de continuar seus negócios sem chamarem a atenção. Enquanto existirem viciados que comprem um
maço por dia do fornecedor, haverá faturamento, devem pensar.
Os números publicados pelo
Ministério da Saúde deixam claro
que estavam enganados os céticos: é possível refrear a disseminação da epidemia do fumo, basta
haver disposição da sociedade e
seriedade política. Para isso, algumas das medidas sugeridas pelos
técnicos podem ser implantadas a
curto prazo, sem ônus para o tesouro:
1) Aumento de impostos. Em
nenhum país civilizado é possível
comprar um maço de cigarros por
meio dólar. Está exaustivamente
provado que, quanto mais caro o
maço, menor o número de cigarros fumados;
2) Proibir todos os tipos de publicidade. Toda e qualquer propaganda de uma droga que provoca um tipo de dependência tão
difícil de vencer, tanto sofrimento
físico e tantos óbitos, para viciar
meninas e meninos em nome do
lucro, deve ser punida como crime inafiançável;
3) Incluir no currículo obrigatório das escolas aulas sobre os problemas causados pelo cigarro;
4) Proibir o fumo em lugares
públicos. Não está certo obrigar
quem não fuma a inalar fumaça
alheia. Embora não seja obrigação do Estado proteger o cidadão
contra o mal que ele pode fazer a
si mesmo, é seu dever protegê-lo
do mal que os outros podem fazer
contra ele. Além disso, não há dúvida de que a proibição ajuda o
fumante a adquirir mais controle
sobre a dependência;
5) Oferecer tratamento gratuito
para os que quiserem largar o hábito de fumar. Hoje existem grupos de apoio, adesivos e chicletes
de nicotina, além de medicamentos que ajudam a vencer as crises
de abstinência. É ignorância deixar de oferecê-los gratuitamente
aos fumantes, ainda que não seja
por razões humanitárias: sai
muito mais em conta do que esperá-los ter câncer, infarto, derrame
cerebral.
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