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FORMA&ESPAÇO
Minhocão nunca mais
GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA
O "minhocão" não é defensável. Vamos admitir
que a idéia de demoli-lo nos cause
desconforto por parecer um desperdício de recursos, o que é grave
num país "pobre". Muito bem,
mas esse sentimento é mais uma
resignação do que um argumento
refletido.
Senão, vejamos: 1) É evidente
que o elevado degradou terrivelmente o seu entorno imediato,
tornando-o sombrio e fantasmagórico como as prisões de Piranesi; 2) É verdade que os apartamentos que o cercam, uma vez
desvalorizados, ficaram acessíveis
a uma população mais pobre, que
hoje pode desfrutar das facilidades de morar no centro. Mas uma
distribuição mais democrática da
riqueza na cidade tem de ser feita
através de políticas públicas, e
não do apodrecimento dos seus
espaços; 3) A visão de que a população subverte criativamente esse
karma todos os domingos ao fazer dele um parque é uma idealização canhestra. Existe algum
parque urbano agradável a 5 m
das janelas de outras pessoas?;
4) Como já foi comentado nessa
coluna, diversas cidades no mundo estão revendo o pesado legado
visual e ambiental de viadutos
que cortaram suas regiões centrais. No que nos toca, essa é a
ocasião para afirmar veementemente a prioridade dos interesses
da maioria, isto é, a ênfase no
transporte público e coletivo;
5) Mesmo do ponto de vista do
carro, o minhocão não é tão eficiente quanto parece, já que as
quatro pistas de sua calha afunilam no gargalo da praça Roosevelt, e o próprio leito da av. São
João comportaria uma expansão
semelhante se eliminasse o canteiro central (onde estão os pilares
do elevado) e a permissão de estacionamento nas faixas da direita;
6) Se for o caso, opções de desvio
do tráfego expresso no sentido leste-oeste existem, como a faixa
ociosa entre as linhas de trem da
Santos-Jundiaí e da Fepasa.
Pois bem, um concurso de idéias
sobre o tema como o que está sendo proposto pela prefeitura pode,
a princípio, ser um fórum de reflexões interessantes. Mas há razões
fortes para se considerá-lo muito
mais uma vitrine eleitoreira do
que um instrumento de debate.
No edital, não há, por exemplo,
informações sobre estudos de tráfego. Isto é, não se postula o problema na escala da cidade, o que
acaba estimulando soluções formais em relação ao viaduto (segmentá-lo em partes, usá-lo como
jardim etc.), que terminam sendo
cosméticas e paliativas.
Qual é a posição da prefeitura
em relação à degradação dos espaços públicos da cidade e à hierarquia entre transporte coletivo
e individual? São questões que
não podem ser delegadas àquele
que tiver a idéia mais "criativa".
Sabemos, também, que planos
coerentes para uma cidade do
porte de São Paulo não se fazem
em governos de quatro anos e que
é fundamental haver equipes técnicas autônomas responsáveis pela elaboração e gerenciamento
dos mesmos, como nas grandes cidades do mundo "desenvolvido".
Demolir ou não o minhocão
não é uma questão. A discussão é
sobre a viabilidade de se fazê-lo
agora ou no futuro. Algo que deve
ser discutido segundo uma política para a cidade como um todo,
que estabeleça uma ordem clara
de prioridades e seja capaz de colocá-las em prática de modo coordenado.
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