São Paulo, segunda-feira, 03 de abril de 2006

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FORMA&ESPAÇO

Minhocão nunca mais

GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA

O "minhocão" não é defensável. Vamos admitir que a idéia de demoli-lo nos cause desconforto por parecer um desperdício de recursos, o que é grave num país "pobre". Muito bem, mas esse sentimento é mais uma resignação do que um argumento refletido.
Senão, vejamos: 1) É evidente que o elevado degradou terrivelmente o seu entorno imediato, tornando-o sombrio e fantasmagórico como as prisões de Piranesi; 2) É verdade que os apartamentos que o cercam, uma vez desvalorizados, ficaram acessíveis a uma população mais pobre, que hoje pode desfrutar das facilidades de morar no centro. Mas uma distribuição mais democrática da riqueza na cidade tem de ser feita através de políticas públicas, e não do apodrecimento dos seus espaços; 3) A visão de que a população subverte criativamente esse karma todos os domingos ao fazer dele um parque é uma idealização canhestra. Existe algum parque urbano agradável a 5 m das janelas de outras pessoas?;
4) Como já foi comentado nessa coluna, diversas cidades no mundo estão revendo o pesado legado visual e ambiental de viadutos que cortaram suas regiões centrais. No que nos toca, essa é a ocasião para afirmar veementemente a prioridade dos interesses da maioria, isto é, a ênfase no transporte público e coletivo;
5) Mesmo do ponto de vista do carro, o minhocão não é tão eficiente quanto parece, já que as quatro pistas de sua calha afunilam no gargalo da praça Roosevelt, e o próprio leito da av. São João comportaria uma expansão semelhante se eliminasse o canteiro central (onde estão os pilares do elevado) e a permissão de estacionamento nas faixas da direita;
6) Se for o caso, opções de desvio do tráfego expresso no sentido leste-oeste existem, como a faixa ociosa entre as linhas de trem da Santos-Jundiaí e da Fepasa.
Pois bem, um concurso de idéias sobre o tema como o que está sendo proposto pela prefeitura pode, a princípio, ser um fórum de reflexões interessantes. Mas há razões fortes para se considerá-lo muito mais uma vitrine eleitoreira do que um instrumento de debate.
No edital, não há, por exemplo, informações sobre estudos de tráfego. Isto é, não se postula o problema na escala da cidade, o que acaba estimulando soluções formais em relação ao viaduto (segmentá-lo em partes, usá-lo como jardim etc.), que terminam sendo cosméticas e paliativas.
Qual é a posição da prefeitura em relação à degradação dos espaços públicos da cidade e à hierarquia entre transporte coletivo e individual? São questões que não podem ser delegadas àquele que tiver a idéia mais "criativa".
Sabemos, também, que planos coerentes para uma cidade do porte de São Paulo não se fazem em governos de quatro anos e que é fundamental haver equipes técnicas autônomas responsáveis pela elaboração e gerenciamento dos mesmos, como nas grandes cidades do mundo "desenvolvido".
Demolir ou não o minhocão não é uma questão. A discussão é sobre a viabilidade de se fazê-lo agora ou no futuro. Algo que deve ser discutido segundo uma política para a cidade como um todo, que estabeleça uma ordem clara de prioridades e seja capaz de colocá-las em prática de modo coordenado.


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