São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA ESTRÉIAS
"Esfera" é ficção científica quadrada

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Esfera", de Barry Levinson, faz lembrar o comentário do físico Mario Schemberg ao arguir uma tese de mestrado. Disse ele ao examinado: "Seu trabalho tem idéias interessantes e originais. Pena que as idéias originais não sejam interessantes e as idéias interessantes não sejam originais".
Adaptado de um romance de Michael Crichton (co-produtor do filme), "Esfera" narra o contato de uma equipe multidisciplinar (bióloga, matemático, astrofísico, psicólogo) com uma gigantesca esfera vinda do espaço e encalhada no fundo do oceano Pacífico.
Há um ponto de partida inverossímil, mas engraçado: a estratégia da equipe, e sua própria constituição, basearam-se num relatório feito "nas coxas" para a Nasa por um psicólogo, Norman (Dustin Hoffman), tendo em vista o eventual encontro entre humanos e extraterrestres.
Depois de uma rápida (para não dizer abrupta) introdução ao tema, os cientistas da equipe descobrem que a astronave encontrada no fundo do mar foi feita pelos próprios norte-americanos, só que no futuro (provavelmente 2043). É no interior dessa astronave naufragada que está a tal esfera.
Dourada, brilhante e gelatinosa, ela é uma esfinge que exige ser decifrada. Enquanto tentam entendê-la, estacionados numa espécie de estação subaquática, os cientistas deixam aflorar suas diferenças e ressentimentos pessoais.
Além do psicólogo Norman, fazem parte da equipe a bióloga Beth (Sharon Stone, em seu dia de Sigourney Weaver), o matemático Harry (Samuel L. Jackson) e o astrofísico Ted (Liev Schreiber), todos sob as ordens do comandante Barnes (Peter Coyote).
Aos poucos, percebemos que Ted e Harry se odeiam, por ciúme intelectual, e que Norman tem com Beth, sua ex-paciente, uma "relação mal resolvida".
Dessa maneira, Barry Levinson quase transforma tudo num teatrão meloso, que é o que ele gosta mesmo de fazer (vide "Rain Man" e "Bom Dia, Vietnã").
O problema é que na ficção científica não dá para enrolar. Tem que ser do ramo. E Levinson não é. Seu filme tem problemas básicos de organização do espaço e do tempo: nunca se sabe bem onde se está, nem quanto tempo se passou desde a última cena. O ritmo é frouxo e cambaleante.
Indeciso entre o suspense, a parábola moral e o psicodrama, o filme (ou, no caso, Crichton) lança mão das tais idéias alheias.
A desconfiança de que alguém da equipe foi "tomado" pelos alienígenas remete a "O Monstro do Ártico", de Hawks (ou sua refilmagem por John Carpenter); a existência de uma inteligência superior que a tudo vê e controla lembra o supercomputador de "2001"; a idéia de um local ideal em que desejos profundos se realizam traz à mente "Stalker", de Tarkovski.
Até aí, tudo bem. No cinema, tudo se recicla. O grave, aqui, é que nenhuma dessas linhas tem consequência e todas se subordinam à lengalenga psicologizante. Com direito a um dos finais mais bobos dos últimos tempos.

Filme: Esfera Produção: EUA, 1997 Direção: Barry Levinson Com: Dustin Hoffman, Sharon Stone Quando: a partir de hoje, nos cines Marabá, Eldorado 3, Liberty e circuito


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.