São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Mexericos da Candinha

O conceito de privacidade, tratando-se de celebridades como Roberto Carlos, é forçosamente mais elástico

NAQUELE BRASIL criativo e relativamente ingênuo, em que florescia a indústria cultural e a era da TV começava a se impor, a seção de fofoca mais conhecida do país, celebrizada pela "Revista do Rádio", intitulava-se "Os Mexericos da Candinha". Ela trazia coisas do tipo: "Maysa e Ângela continuam se odiando cordialmente". Ou: "O prato predileto do Cauby é feijoada. Mas nem assim ele engorda. Pesa 60 kg com roupa e tudo!".
Muitos se recordam que um dos sucessos de Roberto Carlos na década de 60 foi uma canção intitulada "Mexerico da Candinha", cuja letra é, ao mesmo tempo, uma resposta aos fuxicos da coluna sobre o suposto comportamento "extravagante" do jovem ídolo e uma reafirmação do estilo jovem guarda.
Era uma espécie de "Desafinado" do iê-iê-iê, como enfatiza o trecho no qual o cantor diz que a Candinha "sabe que essa onda é uma coisa natural" -verso que ecoa o "isso é bossa nova, isso é muito natural" da música de Jobim e Newton Mendonça.
A canção, na realidade, apenas repisava um clichê da cultura pop. Não existe "star system" sem mídia de entretenimento e sem fofocas. São faces da mesma moeda.
É claro que muitos produtores e artistas prefeririam eles mesmos publicar as notícias sobre seus produtos, vidas e carreiras -e alguns, de certo modo, conseguem fazê-lo. Mas, diante da explosão da cultura de massas em sociedades democráticas, não há alternativa senão conviver com a liberdade do outro de contar suas histórias. Mesmo que algumas delas possam dar razão ao irônico comentário segundo o qual a tarefa dos editores é separar o joio do trigo e publicar o joio.
Eu também tenho detalhes tão pequenos de minha vida que, se estampados em livros, me causariam algum constrangimento -e possivelmente aos pobres leitores. Não estou sozinho. Felizmente, nenhum biógrafo ou editor parece minimamente inclinado a imprimir um volume com minha biografia "não-autorizada". Pelo simples fato de eu não ser personalidade pública que desperte interesse, muito menos um mito como Marilyn Monroe ou Roberto Carlos, em relação aos quais o conceito de privacidade é necessariamente mais elástico.
Há muitas razões para que seja assim, e não devemos esquecer que é da natureza da estrela pop e midiática embaralhar o falso e o verdadeiro para criar a si própria, adotando muitas vezes nomes, biografias e atitudes postiças, que servem à construção de sua imagem ou "lenda".
É claro que, mesmo assim, as celebridades também têm o direito de tentar proteger o que acreditam ser sua privacidade ou de querer impedir a publicação de histórias a respeito de suas vidas, ainda que verdadeiras. Foi o que conseguiu Roberto Carlos, de maneira deplorável, diante de uma editora atemorizada -ele que parece tomado há anos por uma compulsão de proibir. Apoiou a censura ao filme "Je Vous Salue Marie" na década de 80, processou o jornal "Notícias Populares" por contar o caso do acidente que lhe amputou a perna e vive a vetar gravações de músicas suas por outros artistas. Bons tempos aqueles da Candinha.


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