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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Mexericos da Candinha
O conceito de privacidade, tratando-se de celebridades como Roberto Carlos, é forçosamente mais elástico
NAQUELE BRASIL criativo e relativamente ingênuo, em
que florescia a indústria cultural e a era da TV começava a se impor, a seção de fofoca mais conhecida do país, celebrizada pela "Revista
do Rádio", intitulava-se "Os Mexericos da Candinha". Ela trazia coisas
do tipo: "Maysa e Ângela continuam
se odiando cordialmente". Ou: "O
prato predileto do Cauby é feijoada.
Mas nem assim ele engorda. Pesa
60 kg com roupa e tudo!".
Muitos se recordam que um dos
sucessos de Roberto Carlos na década de 60 foi uma canção intitulada
"Mexerico da Candinha", cuja letra
é, ao mesmo tempo, uma resposta
aos fuxicos da coluna sobre o suposto comportamento "extravagante"
do jovem ídolo e uma reafirmação
do estilo jovem guarda.
Era uma espécie de "Desafinado"
do iê-iê-iê, como enfatiza o trecho
no qual o cantor diz que a Candinha
"sabe que essa onda é uma coisa natural" -verso que ecoa o "isso é bossa nova, isso é muito natural" da música de Jobim e Newton Mendonça.
A canção, na realidade, apenas repisava um clichê da cultura pop. Não
existe "star system" sem mídia de
entretenimento e sem fofocas. São
faces da mesma moeda.
É claro que muitos produtores e
artistas prefeririam eles mesmos
publicar as notícias sobre seus produtos, vidas e carreiras -e alguns, de
certo modo, conseguem fazê-lo.
Mas, diante da explosão da cultura
de massas em sociedades democráticas, não há alternativa senão conviver com a liberdade do outro de
contar suas histórias. Mesmo que algumas delas possam dar razão ao
irônico comentário segundo o qual a
tarefa dos editores é separar o joio
do trigo e publicar o joio.
Eu também tenho detalhes tão pequenos de minha vida que, se estampados em livros, me causariam algum constrangimento -e possivelmente aos pobres leitores. Não estou sozinho. Felizmente, nenhum
biógrafo ou editor parece minimamente inclinado a imprimir um volume com minha biografia "não-autorizada". Pelo simples fato de eu
não ser personalidade pública que
desperte interesse, muito menos
um mito como Marilyn Monroe ou
Roberto Carlos, em relação aos
quais o conceito de privacidade é necessariamente mais elástico.
Há muitas razões para que seja assim, e não devemos esquecer que é
da natureza da estrela pop e midiática embaralhar o falso e o verdadeiro
para criar a si própria, adotando
muitas vezes nomes, biografias e atitudes postiças, que servem à construção de sua imagem ou "lenda".
É claro que, mesmo assim, as celebridades também têm o direito de
tentar proteger o que acreditam ser
sua privacidade ou de querer impedir a publicação de histórias a respeito de suas vidas, ainda que verdadeiras. Foi o que conseguiu Roberto
Carlos, de maneira deplorável, diante de uma editora atemorizada -ele
que parece tomado há anos por uma
compulsão de proibir. Apoiou a censura ao filme "Je Vous Salue Marie"
na década de 80, processou o jornal
"Notícias Populares" por contar o
caso do acidente que lhe amputou a
perna e vive a vetar gravações de
músicas suas por outros artistas.
Bons tempos aqueles da Candinha.
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