São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2007

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Comida

Orgulho da Mooca

Bairro paulistano reúne alguns dos mais tradicionais bares e restaurantes da cidade; para os donos, o segredo é a informalidade

Karime Xavier/Folha Imagem
A partir da esq., Elídio Raimonde, Oswaldo Cereja, Reinaldo Di Cunto e Maria do Carmo Carlini; ao fundo, a Igreja Nossa Sra. do Bom Conselho


JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um a um, eles vão chegando à praça e se apresentando a quem ainda não conhecem. Cinco minutos depois, já estão conversando, gesticulando, rindo e até se abraçando. De longe, um passa, vê o burburinho e grita: "Ô, Elídio!". Ele ri e acena. Daí a pouco, do lado oposto, alguém chama: "Oswaldô! Passo lá mais tarde!". O grupo explica: "Aqui é assim, os vizinhos se tratam pelo nome".
Pausa na entrevista para tirar a foto que ilustra esta página.
No lugar do "xis", soltam um: "Viva a Mooca! Viva!!!". Quem está perto, ri, talvez pensando que cena como esta só na Mooca mesmo. Afinal, que outro bairro tem e ostenta com tanto orgulho um gentílico, mooquense? Bairrismo ou não, o fato é que a Mooca foi eleita como o melhor lugar para viver em São Paulo em pesquisa Datafolha publicada há um mês na revista "Morar", da Folha.
Quanto à culinária, o bairro não fica atrás. Ali estão alguns dos símbolos gastronômicos mais famosos e longevos da cidade: o Elídio Bar, o Churros da Mooca, a confeitaria Di Cunto, a cantina Don Carlini e o restaurante Cereja -sem falar na pizzaria São Pedro, no Giba's Bar... e por aí vai.
Em conversa com a reportagem, os entrevistados dizem que o segredo da Mooca (na zona leste de São Paulo) é o acolhimento, a sensação que o cliente tem de pertencer a uma família. Talvez por isso, quando se refere ao estabelecimento de 35 anos que leva seu sobrenome, Oswaldo Cereja, 71, sempre o chame de casa, nunca de restaurante.
"Temos uma boa clientela da Mooca, mas quem se empolga mesmo quando vem na minha casa é o pessoal lá do Campo Belo, do Brooklin. Sabe por quê? Eles vão aos restaurantes, pagam caríssimo e ninguém chega lá para cumprimentá-los. Aqui, não, são recebidos na porta, dou a mão, bato papo."
Famoso por seus petiscos tentadoramente dispostos sobre um balcão, o Elídio abriu há 30 anos, bem antes da onda de botequins que se espalhou pela cidade. "Fui o criador do boteco", diz Elídio Raimonde, 62.
Homem dos slogans ("Quem morou na Mooca, bebeu a água da Mooca, volta para a Mooca"; "Moramos na segunda avenida Paulista, a Paes de Barros"), Elídio diz que sua clientela já está na terceira geração. "Na década de 70, fazia uns cálices com morango e groselha e dava para os filhos dos clientes. O pai tomava caipirinha e o filho, aquilo. Era uma alegria, as pessoas lembram disso até hoje."

"O tal de churros"
Duas e meia da manhã de domingo, o pequeno balcão do Churros da Mooca já está tomado. Com senha na mão, cerca 30 pessoas esperam sua vez. No comando do tacho de fritura, está Antonio Garcia Lopes, o Toninho, 76. Filho de espanhol, sempre ouviu a avó falar no "tal de churros", mas só descobriu o que era com a sogra, também espanhola. Há meio século, ele e a família começaram a fazer o verdadeiro churro espanhol: de roda (em forma de espiral) e sem recheio (e, para quem quiser, servido com chocolate quente). Aberta nos finais de semana, das 2h às 11h30, a churraria já recebeu até festa de casamento: "O último foi de uns fregueses que vieram encerrar a comemoração aqui. Até os noivos estavam".
E se alguém pergunta cadê o doce de leite do recheio? "Digo pra eles: "Não falem palavrão!" Para mim, isso não é churro."
Do outro lado da rua, está o Don Carlini, que acabou de completar 22 anos. Construído para ser uma oficina de carros, o espaço conserva uma entrada estranha, pela garagem, mas atrai a clientela com seus pratos de cantina (não deixe de provar o vitelo com polenta!).
Com 50 anos a mais que a cantina, a confeitaria Di Cunto, 72, foi resultado de um (feliz) "equívoco". Em 1878, o italiano Donato Di Cunto se enganou ao desembarcar no Brasil. Pensou que chegara ao Uruguai. Mas aqui ficou e abriu duas padarias, entre elas, a Popular, que anos depois daria origem à confeitaria. Casado e com filhos, voltou à Itália para buscar os outros familiares. Impossibilitado de trazer uma irmã doente, nunca mais retornou. Dois filhos, porém, regressaram e, em 1935, abriram a Irmãos Di Cunto, hoje na quarta geração.
"A Mooca é como uma comunidade. Nós, os donos dos restaurantes, acabamos de nos conhecer, mas não é difícil saírmos daqui abraçados para tomar um negócio", diz Reinaldo Di Cunto, 63, sócio da confeitaria. "Fui morar um tempo fora da Mooca e me arrependi no primeiro dia. Voltei e agora nem amarrado eu saio mais."


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