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LIVROS
Pesquisador faz grande painel histórico da MPB
Em sua obra mais ambiciosa, Jairo Severiano resume uma trajetória de 200 anos
Fonte de informações para grandes livros do gênero, autor vai do lundu ao funk em seu "Uma História da Música Popular Brasileira"
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL
Por trás de quase todos os livros importantes sobre música
brasileira está Jairo Severiano,
81. Dono de 6.000 discos, centenas de CDs contendo as antigas gravações em 78 rotações e
uma prodigiosa memória, o
pesquisador é fonte de informações para quem o procura.
"Não dou dois passos sem
consultar o Jairo. Ele é garantia
de exatidão, não dá palpite. Se
não sabe, pede dez minutos ou
uma hora e meia, pesquisa e te
dá a resposta certa", diz Ruy
Castro, biógrafo de Carmen
Miranda e da bossa nova.
"Eu o apelidei de "Socorro
Urgente". Às vezes, antes de eu
pedir ajuda para algum livro,
ele já telefona oferecendo",
conta Sérgio Cabral, biógrafo
de Pixinguinha e outros.
Pouco conhecido por não ser
"badalador", como diz Cabral, e
proprietário de uma reduzida
bibliografia própria ("É uma
coisa que dá muito trabalho",
alega ele, perfeccionista), Severiano lança agora sua obra mais
ambiciosa. "Uma História da
Música Popular Brasileira - Das
Origens à Modernidade" é um
painel que cobre de 1770, quando surgiu o lundu, até os dias de
hoje, funcionando como síntese dos muitos movimentos dessa trajetória.
"Embora o livro tenha 500
páginas, e não 5.000, tomei cuidado para não deixar de mencionar o que considero essencial. Quem quiser pode se aprofundar em outros livros. Não
daria, por exemplo, para falar
de musicologia, porque seria
um saco para o leitor comum, e
eu não sou músico", diz.
Quatro fases
Seu livro não é uma tese, portanto. Sua maior marca conceitual está em dividir mais de 200
anos em quatro períodos: "A
Formação" (1770-1928), "A
Consolidação" (1929-45), "A
Transição" (1946-57) e "A Modernização" (1958 em diante).
O objetivo principal de Severiano é informar, não catequizar, mas isso não o impede de
cravar afirmações que não se
encontram em todos os livros
do gênero. Por exemplo: "O que
de mais importante aconteceu
ao samba nos últimos anos da
Época de Ouro [1929-45] foi o
aparecimento de Geraldo Pereira", valorizando o autor de
"Falsa Baiana"; ou "Parecia [de
1943 a 1973] um outro cantor
imitando Orlando Silva", confrontando os fãs mais ardorosos do Cantor das Multidões.
Ao contrário de outros pesquisadores, Severiano não tem
meias-palavras ao falar da bossa nova. Tom Jobim, Vinicius
de Moraes e, sobretudo, João
Gilberto revolucionaram a música brasileira para sempre, de
acordo com ele, porque abriram possibilidades infinitas para as gerações seguintes.
"João Gilberto é um sujeito
aloprado que interrompeu a
suave transição que ocorria entre o tradicional e o moderno
com um corte, escandalizando
os tradicionalistas. Foi traumático, mas ali a música brasileira
se modernizou", afirma.
Em seguida, na sua "História", vem a "geração que fixou a
moderna canção brasileira",
como classifica o time de Chico
Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e tantos outros. E, depois, diversas manifestações,
como o rock, o "neo-sertanejo",
o pagode e o funk.
"Eu, como amante da música, tenho o direito de ter preferências. Mas, como historiador,
tenho de ser isento. A mesma
dedicação que tive com o samba, gênero de que mais gosto, e
com o choro, outra maravilha,
precisei ter com o axé e o funk.
Seria preconceituoso [o contrário]", diz ele, que não demonstra aversão às misturas sonoras. "A música está sempre em
ebulição. Novos gêneros surgem de fusões espontâneas."
Futebol e música
Foi assim sempre, digamos,
ampla a visão deste cearense de
Fortaleza, que cresceu em Recife e se mudou em 1950 para o
Rio, onde vive até hoje.
Chegou com o Maracanã acabando de ser construído e com
a rádio Nacional ainda em tempos de glória, podendo viver intensamente suas paixões por
futebol e música.
No final dos anos 50, começou a sistematizar informações
discográficas e, após ler "Panorama da Música Popular Brasileira" (1963), de Ary Vasconcelos, ganhou ânimo para se tornar historiador.
Ao se aposentar no Banco do
Brasil, em 1980, encontrou
tempo para produzir discos especiais (com Dorival Caymmi e
Tom Jobim, por exemplo) e escrever livros, sendo um dos primeiros a biografia "Yes, Nós
Temos Braguinha" (1987).
"Fiquei quase quatro anos fazendo e disse para o Braguinha:
"Se eu fracassar, não espalha,
para eu não perder o crédito na
praça", conta ele, que também
produziu, com Zuza Homem de
Mello, os dois volumes de "A
Canção no Tempo".
Ele procura distinguir sua
função da dos colecionadores.
"A alegria do colecionador é
ter o que os outros não têm,
deixá-los se roendo de inveja. O
papel deles é muito importante, mas eu acho que não adiantaria nada para a música brasileira guardar as minhas coisas a
sete chaves e não passá-las para
ninguém."
UMA HISTÓRIA DA MÚSICA
BRASILEIRA
Autor: Jairo Severiano
Editora: 34
Quanto: R$ 64 (504 págs.)
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