São Paulo, sábado, 03 de maio de 2008

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Crítica/"O Grande Livro do Jornalismo"

Compilação funciona como aula de reportagem

ESPECIAL PARA A FOLHA

O escritor Charles Dickens, certo dia em 1845, decidiu assistir a uma execução na guilhotina em Roma. Logo que a cabeça rolou, "o carrasco já a segurava pelos cabelos, mostrando-a às pessoas, antes que se soubesse exatamente que a lâmina caíra com todo peso e um barulho de chocalho".
Em 1982, Robert Fisk entrou no campo de refugiados palestinos de Chatila após o massacre promovido pela direita cristã. Havia crianças entre as vítimas. Ele vê uma menina. "Tinha os cabelos curtos e cacheados, e o olhar carrancudo nos fitava. Estava morta." Dickens abre e Fisk (com outro texto) fecha a coletânea "O Grande Livro do Jornalismo".
São exemplos de "relatos objetivos, mas apresentados de uma forma muito particular", na definição de boa reportagem de Jon Lewis, o organizador. Há uma outra execução no livro, a da espiã Mata Hari, em 1917, que, segundo Henry Wales, "morreu encarando literalmente a morte, pois recusou ter os olhos vendados".
A predominância, no entanto, é de relatos de guerras, o que é natural, uma vez que são matéria-prima por excelência da reportagem. A do Vietnã é vista por Michel Herr, que seria o responsável pelo argumento de "Apocalypse Now". Ele entrevista um piloto de helicóptero: "Vietnã, cara, a gente bombardeia e dá comida, bombardeia e dá comida".
O livro é um mosaico. A feminista Gloria Steinem conta sua experiência como coelhinha da "Playboy"; Jack London perambula por uma São Francisco arrasada pelo terremoto de 1906 ("Só uma vez o sol rompeu a mortalha da fumaça, vermelho-sangue e com um quarto do seu tamanho normal"); Maureen Cleave ouve de John Lennon que os Beatles são mais populares do que Cristo.
E há os grandes nomes: John Reed, Dorothy Parker, John Steinbeck e George Orwell, este com uma pungente descrição da pobreza do norte industrial da Inglaterra em 1937. São 54 autores. É pouco mais da metade do original, mas a seleção é defensável. Há falhas pontuais, como a eventual falta de contexto. E equívocos, como afirmar que 1966 foi o começo do fim dos Beatles. A leitura dos mestres, porém, é uma aula de jornalismo. (OP)


O GRANDE LIVRO DO JORNALISMO
Organização: Jon E. Lewis
Tradução: Marcos Santarrita
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 49 (378 págs.)
Avaliação: bom



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