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Antonio Abujamra liberta seus privilegiados no palco
O grupo carioca Os Fodidos Privilegiados ensaia nova peça sob direção de paulista e de americano do Mabou Mines
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ERIKA SALLUM
enviada especial ao Rio
Num antigo teatro na Cinelândia, no centro do Rio, espremido entre um cinema pornô e a Câmara dos Vereadores da cidade, o diretor Antonio Abujamra abriga seus filhos, a quem batizou de Os Fodidos Privilegiados.
Quase desconhecido em São Paulo, o grupo, fundado por Abujamra em 1991, hoje se afasta dele. No bom sentido.
Um dos principais destaques da atual temporada teatral carioca, com "As Fúrias", a companhia prepara seu novo trabalho, provisoriamente intitulado de "Tudo no Timing", de David Ives.
Detalhe: sem a participação de "Abu", que cede agora a direção total dessa futura montagem ao paulista João Fonseca -parceiro de peças como "O Casamento"- e ao americano Terry O'Reilly, do nova-iorquino Mabou Mines.
Criado nos anos 70, o MM é considerado um dos mais importantes e inovadores grupos de Nova York, mesclando em seus espetáculos dança, artes plásticas e tecnologia.
"Uma companhia tem de seguir com as próprias pernas, tem de começar a desprezar Abujamra. Um velho como eu, com 66 anos de idade, não tem o direito de ser o mais jovem do grupo", é tudo que Abujamra tem a dizer sobre não estar na direção da nova peça.
De resto, o diretor, famoso por suas frases feitas como "o povo adora Racine" (leia quadro ao lado), se derrete em elogios a seus companheiros de palco:
"Sempre me pergunto: "Mamãe, será que valeu a pena?'. Acredito que sim, porque desenvolvemos pessoas maravilhosas, que se transformaram em atores e começaram a existir num processo de evolução sem a necessidade de se atirar de cabeça na televisão".
Mas foi exatamente por causa da TV que tudo começou, no início dos anos 90: colegas de novela, ele, Vera Holtz, Cláudia Abreu e outros artistas se uniram no Rio para ler "Fedra" e fundar um grupo "sem a postura de somente pensar em ganhar dinheiro".
Daquele evento, surgiria uma das mais inovadoras companhias brasileiras da década, pela qual já passaram de William Shakespeare ("Um Certo Hamlet") a Nelson Rodrigues ("O Casamento").
O nome é original. "Fodidos por serem artistas e brasileiros. E privilegiados por fazerem teatro sem pensar em sobreviver", segundo Abujamra.
Oito anos e mais de dez espetáculos depois, o grupo, sediado no histórico teatro Dulcina, causou alvoroço em março no Festival de Curitiba ao estrear "As Fúrias", do espanhol Rafael Alberti -um texto encenado em 1966 por Abujamra, que, com ar professoral, classifica de seu "maior fracasso".
Passados 33 anos, a montagem se tornou atração no Rio. Mas São Paulo ainda está longe de assisti-la: "O Casamento", por exemplo, outro grande sucesso do grupo, jamais pisou em solo paulistano.
"Já rodamos o Brasil, mas, dizem, não há espaço em São Paulo", afirma o diretor e ator João Fonseca, 34. Abujamra negocia com o Sesc a possibilidade de o grupo e suas peças se apresentarem na cidade no segundo semestre.
Enquanto isso, eles ensaiam a todo vapor "Tudo no Timing", um contemporâneo texto norte-americano escrito por David Ives.
Inédita no Brasil, a obra se compõe de sete peças curtas, recheadas de humor ágil, moderno e urbano. São situações as mais diversas, como a de uma trinca de macacos que, em uma sala, tem como missão escrever "Hamlet" -sem a mínima idéia do que isso significa.
Para co-dirigir o espetáculo ao lado de João Fonseca, o grupo convidou Terry O'Reilly, do Mabou Mines, que acalentava há tempos o desejo de encenar o texto.
"Para nós, é fundamental essa troca de experiências", conta Fonseca, desde 1995 integrante da companhia carioca.
Natural de São Paulo, Fonseca representa bem a filosofia dos FP: seu primeiro contato com o grupo foi em "Exorbitâncias", que, com mais de 50 pessoas no palco, mesclava esquetes "exorbitantes".
Fonseca, um novato ator em terra carioca, foi eliminado da peça dias antes da estréia, para encurtar a montagem longa demais. "O lema do Abujamra é "conquiste seu espaço'. Então esperei e entrei em outra peça. Depois fui me metendo na direção e aqui estou..."
"Tudo no Timing" estréia em julho, no teatro Dulcina. No elenco, apenas seis atores, de um grupo que hoje possui por volta de 45 artistas, espalhados em outros trabalhos como o infantil "O Príncipe Que Tudo Aprendeu nos Livros".
Mas, como diz Abujamra, quem já participou do FP sempre fará parte dele.
"Somos uma companhia livre. Nunca dizemos não, todos podem entrar. Mas, se chega uma atriz e fala: "Quero fazer a Fedra', digo: "Não, nossa Fedra quem faz é a Vera Holtz, mas tem a possibilidade de você abrir o pano'. Entende?", diz Abujamra. Em poucas palavras, isto é Os Fodidos Privilegiados.
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