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FERNANDO GABEIRA
Programa seria tratar pobres como ricos
Uma história cheia de som e
fúria, significando nada. Temo
estar vivendo cenas de Shakespeare, no Brasil. Criaram-se
enormes ilusões com a CPI dos
Bancos. Aos poucos, vão escorrendo entre nossos dedos e começamos a lamentar os projetos engavetados, as iniciativas
inibidas, tudo porque o foco se
concentra nas CPIs e suas emoções nada baratas.
O grande espetáculo da semana, a prisão de Chico Lopes no
Senado, só pode envolver profundamente quem estava no
calor dos debates. Visto de fora,
era um enredo bastante débil,
apenas uma revelação a mais
de como a questão da competência em política transcende
as efêmeras performances
diante das câmeras.
Durante toda a semana, os
advogados de Chico Lopes disseram que ele ia surpreender.
Ninguém se incomodou em
realizar um par de reuniões para prever as alternativas diante
de uma surpresa. Os senadores
reagiram como as pessoas surpreendidas pelas pegadinhas
na tevê, essas que, confrontadas com uma situação insólita,
combinam perplexidade com
irritação.
Já havia alguma coisa errada
nessa história de Chico Lopes.
Aplaudiu-se a entrada na casa
dele, porque estava baseada
num mandato judicial. Devoraram-se os documentos revelados, sem nenhuma visão tática de investigação. Chico Lopes
comportou-se como um réu,
mas nem precisava, pois sabia
de antemão todas as perguntas
suscitadas pela devassa em sua
casa.
Aplaudiu-se também pois os
ricos estariam sendo tratados
como pobres. A devassa na casa
de um rico emociona. O programa de muita gente parece
ser esse: tratar os ricos como se
tratam os pobres. Duramente.
O programa deveria ser tratar os pobres como se tratam os
ricos. Se tivessem a assistência
jurídica sofisticada, muitos deles não iriam parar na cadeia,
exerceriam plenamente seu direito de defesa.
Essa opção pela dureza acabou se revelando na ordem de
prisão. Não quer assinar? Teje
preso. Na verdade, havia outras opções, que deveriam estar
ensaiadas com a mesma precisão de Chico Lopes e seus advogados. Não pode falar porque
tem informações sigilosas? Decreta-se uma sessão secreta.
Não quer assinar antes de falar? Pois bem, que fale, enfrente
o interrogatório e, no final, vamos ver se assina ou não.
Qualquer dessas saídas seria
melhor para o desenvolvimento das investigações. E era isto
que deveria estar em jogo. Considerar-se desmoralizado porque um indivíduo explorou ao
máximo suas possibilidades de
defesa é um equívoco. Todas as
investigações têm limites legais
e dentro deles, e só dentro deles,
é preciso caminhar.
Não deveríamos nos envergonhar de nossos limites. Negá-los, na verdade, esconde uma
ponta de preguiça. Significa, de
fato, esperar que um acusado
revele todos os seus erros, forneça documentos, revele nomes
e indique novos passos para a
investigação. Isso não acontece
na realidade. Basta conhecer o
trabalho de um simples repórter para saber que, quanto
mais e melhor se esconde algo,
mais e melhor trabalha-se para
descobrir o fato .
Pode ser que reviravoltas
aconteçam, que novos e interessantes dados sejam jogados
na mesa. Mas os grupos que
ocuparam o centro da cena e
prometeram uma agenda purificadora para o país já me
transmitem um sinal de que o
mês de abril foi meio perdido.
E nós, que tínhamos de encarar alguns problemas imediatos, como o desemprego, um
novo salário mínimo, nós, que
sonhávamos em apresentar
projetos e travar grandes debates, ficamos meio acuados, nas
cordas, esperando um melhor
momento.
Mas já que as CPIs são o grande fato, eleito pelos políticos e
pela mídia como aquilo com
que devemos nos preocupar, todos ganhamos também o direito de criticar o espetáculo, propor novos enredos, desejar melhores papéis para os personagens principais.
Os dois fatos que eletrizaram
a semana, a prisão de Chico
Lopes e a perda de controle de
Cacciola diante dos fotógrafos
no Rio, pouco significam do
ponto de vista dos objetivos definidos. São aquelas cenas que
no futebol atraem as câmeras,
mas acabam desaparecendo da
lembrança do jogo: uma discussão sem bola, reclamações
com o juiz diante de um pênalti
duvidoso. Não contribuem com
o resultado da partida.
A falta de horizonte da CPI já
se desenhava antes de decretarem a prisão de Chico Lopes
por algumas horas, mais uma
viagem escoltado pelas ruas de
Brasília. A descoberta e a revelação de um bilhete em sua casa mostrou que não se sabia o
que fazer com o documento revelador. Era uma promessa de
pagamento de quase US$ 1,7
milhão.
A grande revelação que foi
passada à mídia: Lopes não declarou isto no imposto de renda. Mas como declarar algo que
ainda não foi pago? E se o credor roer as cordas? Você fica de
calças na mão diante do fisco?
A grande questão era saber a
origem da dívida, se a empresa
com um capital declarado tão
baixo rendia isto mesmo ou se a
soma resultou de operações obscuras, que não foram documentadas.
Sempre que a gente se coloca
diante da história é preciso suspender um pouco a realidade,
acreditar. Se os autores cometem muitos equívocos, você se
desencanta e passa a sentir tédio diante do desdobramento
do roteiro.
Vivemos uma guerra de grandes dimensões na Europa e uma
crise econômica que deve jogar
mais de 3 milhões de brasileiros
na linha de pobreza. Se as CPIs
não aprendem com os primeiros
erros, podem se arrepender de
ter ocupado o centro da cena
num momento histórico dessa
complexidade.
É preciso um certo compromisso com a realidade. Criar
uma agenda nova, no auge de
uma guerra e de uma crise econômica, só é pensável se houver
um domínio completo de todos
os lances. Pegadinhas, vemos
nos programa dominicais à espera do jornal noturno, com os
dramas de vida real. Deus me livre ter saudade do tempo em
que tudo acabava em pizza.
Esta semana, tive medo de que
tudo acabasse em pastelão.
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