São Paulo, sexta-feira, 03 de junho de 2005

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CINEMA/"A PESSOA É PARA O QUE NASCE"

Documentário sobre as artistas marca a estréia na direção de Roberto Berliner

Cegas da Paraíba levam seu ganzá às telas

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

É no simples que está o belo. Já se vão mais de 50 anos que Maria, Regina e Francisca da Conceição Barbosa, três irmãs cegas desde a nascença em Campina Grande (PB), seguem acreditando nisso.
Mais conhecidas como Maroca, Poroca e Indaiá, elas são analfabetas, não gostam de maquiagem e sobrevivem do que ganham de esmola ao cantar e tocar ganzá nas ruas e feiras do Nordeste.
Ao menos era assim antes de Roberto Berliner, 47, aparecer. Experiente na publicidade e na direção de videoclipes para grupos como Paralamas do Sucesso e Skank, ele visitou a região em 97 para gravar a série "Som da Rua" (TVE), sobre músicos anônimos.
Conheceu as "ceguinhas de Campina Grande" e ficou fascinado. "Foi amor à primeira vista. Gosto do lixo, das arestas, dos excluídos." Então a paixão se transformou no curta "A Pessoa É para o que Nasce", que foi premiado em vários festivais. "Investi o que ganhamos de prêmios em negativos para filmar mais material."
"A Pessoa É para o que Nasce" cresceu para virar longa -o primeiro da carreira de Berliner. "Estava em crise. Não sabia para onde levar o filme, até que surgiu o convite de Gilberto Gil para elas participarem do PercPan, em 2000. Disse: "Vamos atrás delas". Perdi totalmente o controle das filmagens. Elas assumiram a liderança", conta o documentarista.
Essa foi a primeira vez que as três subiram num palco profissionalmente. Foi também durante o PercPan que Berliner se tornou personagem de seu filme: Maria declara seu amor por ele diante da câmera. "Tive de rever as 300 horas de material. Não esperava por isso. Mas não colocar essa parte seria mentiroso", conta o diretor.
"Eu achava que você não ia pôr essa parte, não", interrompe Maria. E você tiraria? "Eu não tiraria nada. Tá tudo resolvido, agora estamos num amor espiritual. Gosto do filme como está. Repare que, se ele [Berliner] não aparecesse, não ia ter graça", opina ela.
"Já eu não esqueço mais nunca esse momento. Desde pequena que vivi com uma bacia pedindo esmola. Para hoje, depois de caída na idade, virar estrela de cinema. Parece sonho", diz Maria.
A celebridade bateu forte na porta das ceguinhas. Depois da cinebiografia, foram convidadas para fazer uma participação em "América" (Globo), que também trata de deficientes visuais. "A Glória [Perez] foi muito bacana. Foi uma surpresa poder participar da novela", afirma Maria.
A fama também mudou a dinâmica dos shows. "A Maria já percebeu do que o público gosta e, intuitivamente, vai acrescentando alguns comentários sobre a origem das músicas e as experiências delas. A platéia vibra", conta Berliner, que segue gravando as irmãs, "talvez para extras de um DVD, talvez para outro filme".
O documentário, que estréia hoje no Rio e em São Paulo, demorou oito anos, sinal de "incompetência" e de "muito trabalho", segundo Berliner. "Eu estava aprendendo a fazer um longa. Mas foi bom para ficarmos mais íntimos e para poder mostrar o tempo passando", conta ele.
A pressa realmente não é uma característica de Berliner. Seu próximo longa está em fase de roteiro. Será uma nova estréia, desta vez na ficção. "Mais ou menos, porque será baseado na vida de Nise da Silveira [1906-99]." E vai demorar mais oito anos? "Acho que ficção vai mais rápido", ri.


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