|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/"A PESSOA É PARA O QUE NASCE"
Documentário sobre as artistas marca a estréia na direção de Roberto Berliner
Cegas da Paraíba levam seu ganzá às telas
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL
É no simples que está o belo. Já
se vão mais de 50 anos que Maria,
Regina e Francisca da Conceição
Barbosa, três irmãs cegas desde a
nascença em Campina Grande
(PB), seguem acreditando nisso.
Mais conhecidas como Maroca,
Poroca e Indaiá, elas são analfabetas, não gostam de maquiagem e
sobrevivem do que ganham de esmola ao cantar e tocar ganzá nas
ruas e feiras do Nordeste.
Ao menos era assim antes de
Roberto Berliner, 47, aparecer.
Experiente na publicidade e na direção de videoclipes para grupos
como Paralamas do Sucesso e
Skank, ele visitou a região em 97
para gravar a série "Som da Rua"
(TVE), sobre músicos anônimos.
Conheceu as "ceguinhas de
Campina Grande" e ficou fascinado. "Foi amor à primeira vista.
Gosto do lixo, das arestas, dos excluídos." Então a paixão se transformou no curta "A Pessoa É para
o que Nasce", que foi premiado
em vários festivais. "Investi o que
ganhamos de prêmios em negativos para filmar mais material."
"A Pessoa É para o que Nasce"
cresceu para virar longa -o primeiro da carreira de Berliner. "Estava em crise. Não sabia para onde levar o filme, até que surgiu o
convite de Gilberto Gil para elas
participarem do PercPan, em
2000. Disse: "Vamos atrás delas".
Perdi totalmente o controle das
filmagens. Elas assumiram a liderança", conta o documentarista.
Essa foi a primeira vez que as
três subiram num palco profissionalmente. Foi também durante o
PercPan que Berliner se tornou
personagem de seu filme: Maria
declara seu amor por ele diante da
câmera. "Tive de rever as 300 horas de material. Não esperava por
isso. Mas não colocar essa parte
seria mentiroso", conta o diretor.
"Eu achava que você não ia pôr
essa parte, não", interrompe Maria. E você tiraria? "Eu não tiraria
nada. Tá tudo resolvido, agora estamos num amor espiritual. Gosto do filme como está. Repare
que, se ele [Berliner] não aparecesse, não ia ter graça", opina ela.
"Já eu não esqueço mais nunca
esse momento. Desde pequena
que vivi com uma bacia pedindo
esmola. Para hoje, depois de caída
na idade, virar estrela de cinema.
Parece sonho", diz Maria.
A celebridade bateu forte na
porta das ceguinhas. Depois da cinebiografia, foram convidadas
para fazer uma participação em
"América" (Globo), que também
trata de deficientes visuais. "A
Glória [Perez] foi muito bacana.
Foi uma surpresa poder participar da novela", afirma Maria.
A fama também mudou a dinâmica dos shows. "A Maria já percebeu do que o público gosta e, intuitivamente, vai acrescentando
alguns comentários sobre a origem das músicas e as experiências
delas. A platéia vibra", conta Berliner, que segue gravando as irmãs, "talvez para extras de um
DVD, talvez para outro filme".
O documentário, que estréia
hoje no Rio e em São Paulo, demorou oito anos, sinal de "incompetência" e de "muito trabalho",
segundo Berliner. "Eu estava
aprendendo a fazer um longa.
Mas foi bom para ficarmos mais
íntimos e para poder mostrar o
tempo passando", conta ele.
A pressa realmente não é uma
característica de Berliner. Seu
próximo longa está em fase de roteiro. Será uma nova estréia, desta
vez na ficção. "Mais ou menos,
porque será baseado na vida de
Nise da Silveira [1906-99]." E vai
demorar mais oito anos? "Acho
que ficção vai mais rápido", ri.
Texto Anterior: Popload: Proibidão do rock Próximo Texto: Crítica: Longa busca alternativas formas do ver Índice
|