São Paulo, sexta-feira, 03 de junho de 2005

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CRÍTICA

Longa busca alternativas formas do ver

THIAGO STIVALETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Desde os primórdios, o cinema foi fascinado pelos cegos. Em 1921, pouco depois dos clássicos "O Nascimento de uma Nação" e "Intolerância", D.W. Griffith (1875-1948) filmava "Órfãs da Tempestade", sobre uma mulher que promete cuidar para sempre da irmã cega. Dez anos depois, em "Luzes da Cidade", Charles Chaplin (1889-1977) criaria a florista que se tornaria uma das personagens inesquecíveis de seus filmes. A fascinação dos diretores parece ser a de contrapor o espectador, desde sempre engolfado pelo encanto do cinema, com pessoas que sobrevivem sem usufruir desse mecanismo hipnótico.
Projeto de uma produtora carioca, "A Pessoa É para o que Nasce" perfila Maria, Regina e Conceição, três irmãs cegas de Campina Grande (PB), que há muito tocam ganzá em troca de esmola nas feiras.
Ignoremos a montagem problemática -originalmente um curta de seis minutos, sofre com alguns excessos, como as muitas cenas de repercussão da música das irmãs em TVs locais e apresentações pelo país.
O interesse das personagens, encantadoras incontestáveis, reside no fato de encontrarem formas alternativas do ver para compensar sua cegueira. "Vêem" o mundo por meio da música, do contato com os parentes e o público e até do desejo plenamente assumido -de uma delas pelo próprio diretor do documentário. Tanto que Maria emprega abertamente o verbo: "Ainda não estive em São Paulo, mas estou louca para ver os paulistas".
A energia vital, a inteligência e o senso de humor das três, que foram recebidas até por Lula, são suficientes para prender o interesse até o fim. Mas restam algumas questões éticas do documentário que o diretor parece ter abandonado lá atrás, nas mãos de mestres como Frederick Wiseman (1930) e Jean Rouch (1917-2004).
Um cineasta tem o direito de filmar (e tornar público) detalhes da vida íntima de três pessoas humildes e que parecem ter pouca consciência dos dispositivos de massa? Uma irmã fala da mágoa que sente das outras. A filha de uma delas é descrita como preguiçosa. É preciso ter mais cautela, uma vez que o "Big Brother" não existe só no horário nobre da TV.


A Pessoa É para o que Nasce
  
Direção: Roberto Berliner
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e no HSBC Belas Artes


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