São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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MANUEL DA COSTA PINTO

Bestiário irônico

Livro do poeta e matemático francês Jacques Roubaud descreve animais reais, extintos e imaginários

QUE BICHO mordeu Jacques Roubaud para que escrevesse um livro como "Os Animais de Todo Mundo"? O volume reúne poemas sobre mamíferos, pássaros, peixes, répteis e insetos; bichos extintos (dinossauros) e seres imaginários (unicórnio) -todos atravessados por trocadilhos e variações cujo tom está entre a poesia infantil e a fábula. O contraste com o conjunto de sua produção poética é evidente. Roubaud é o mais ilustre remanescente do Oulipo, movimento que surgiu na França nos anos 60. Acrônimo em francês de "Oficina de Literatura Potencial", o Oulipo promoveu um cruzamento entre poética e lógica, criando regras tão rigorosas quanto arbitrárias para o caos controlado da invenção literária. As relações de Roubaud com essa vertente são complexas -e uma boa porta de entrada é o dossiê sobre o Oulipo organizado por Roberto Zular e Claudia Amigo Pino para a revista "Cult" (nš 52, novembro de 2001) ou a edição dedicada ao poeta pelo "Cahier Critique de Poésie" do Centre International de Poésie de Marselha (Farrago, 2004). Nesse último, há uma coleção de aforismos que ajudam a entender "Os Animais de Todo Mundo". No fragmento intitulado "Hipótese dos Poemas", Roubaud escreve: "As formas de um poema se movem. Não há portanto forma fixa e definitiva enquanto tal". Poderíamos acrescentar: as formas de um poema se movem como os animais, no ritmo lépido do predador na savana ou com a lentidão do hipopótamo. Todos os versos do livro, afirma Roubaud no posfácio, são compostos na forma de soneto -mas ele faz modificações aqui e ali, introduzindo versos entre parênteses e mudando a disposição das estrofes. Aparentemente ingênuos, seus sonetos são camaleões que se moldam à feição de cada animal: a forma fixa existe não como camisa-de-força, mas como memória do "registro rítmico da palavra" -expressão que usou em entrevista dada à Folha por ocasião do lançamento de seu "Algo: Preto" (Perspectiva, 2005). Os poemas oscilam entre as imitações da forma ("Sempre gostei do caramujo/ seu passo fresco e silente/ sua navegação na noite/ ao longo dos muros, marujo") e as ironias da expressão, como ao reduzir o pesadume da vaca a um soneto de versos esguios, cada um com uma única palavra: "A/ Vaca/ É/ Um// Animal/ Que/ Tem/ Geralmente// Quatro/ Patas/ Que// Descem/ Até/ O chão". Com antecedentes que vão das fábulas de La Fontaine até "Os Gatos", de T. S. Eliot, ou "Dia de Folga", de Jacques Prévert (também pela Cosacnaify), Roubaud retoma essa tradição e extrai de seu bestiário uma poética que, como a minhoca do poema homônimo, transita por diferentes galerias: "O poeta, como ela, faz essa lavragem,/ cultiva as palavras, numa grande plantação/ onde os homens colhem os frutos da linguagem".


Os Animais de Todo Mundo     
Autor: Jacques Roubaud
Tradução: Paula Glenadel e Marcos Siscar
Ilustrações: Fefe Talavera
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 35 (152 págs.)



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