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MANUEL DA COSTA PINTO
Bestiário irônico
Livro do poeta e matemático francês Jacques Roubaud descreve animais reais, extintos e imaginários
QUE BICHO mordeu Jacques
Roubaud para que escrevesse um livro como "Os Animais de Todo Mundo"? O volume reúne poemas sobre mamíferos, pássaros, peixes, répteis e insetos; bichos extintos (dinossauros) e
seres imaginários (unicórnio) -todos atravessados por trocadilhos e
variações cujo tom está entre a poesia infantil e a fábula.
O contraste com o conjunto de sua
produção poética é evidente. Roubaud é o mais ilustre remanescente
do Oulipo, movimento que surgiu na
França nos anos 60. Acrônimo em
francês de "Oficina de Literatura
Potencial", o Oulipo promoveu um
cruzamento entre poética e lógica,
criando regras tão rigorosas quanto
arbitrárias para o caos controlado da
invenção literária.
As relações de Roubaud com essa
vertente são complexas -e uma boa
porta de entrada é o dossiê sobre o
Oulipo organizado por Roberto Zular e Claudia Amigo Pino para a revista "Cult" (nš 52, novembro de
2001) ou a edição dedicada ao poeta
pelo "Cahier Critique de Poésie" do
Centre International de Poésie de
Marselha (Farrago, 2004).
Nesse último, há uma coleção de
aforismos que ajudam a entender
"Os Animais de Todo Mundo". No
fragmento intitulado "Hipótese dos
Poemas", Roubaud escreve: "As formas de um poema se movem. Não
há portanto forma fixa e definitiva
enquanto tal". Poderíamos acrescentar: as formas de um poema se
movem como os animais, no ritmo
lépido do predador na savana ou
com a lentidão do hipopótamo.
Todos os versos do livro, afirma
Roubaud no posfácio, são compostos na forma de soneto -mas ele faz
modificações aqui e ali, introduzindo versos entre parênteses e mudando a disposição das estrofes.
Aparentemente ingênuos, seus
sonetos são camaleões que se moldam à feição de cada animal: a forma
fixa existe não como camisa-de-força, mas como memória do "registro
rítmico da palavra" -expressão que
usou em entrevista dada à Folha
por ocasião do lançamento de seu
"Algo: Preto" (Perspectiva, 2005).
Os poemas oscilam entre as imitações da forma ("Sempre gostei
do caramujo/ seu passo fresco e silente/ sua navegação na noite/ ao
longo dos muros, marujo") e as ironias da expressão, como ao reduzir
o pesadume da vaca a um soneto de
versos esguios, cada um com uma
única palavra: "A/ Vaca/ É/ Um//
Animal/ Que/ Tem/ Geralmente//
Quatro/ Patas/ Que// Descem/
Até/ O chão".
Com antecedentes que vão das
fábulas de La Fontaine até "Os Gatos", de T. S. Eliot, ou "Dia de Folga", de Jacques Prévert (também
pela Cosacnaify), Roubaud retoma
essa tradição e extrai de seu bestiário uma poética que, como a minhoca do poema homônimo, transita por diferentes galerias: "O poeta, como ela, faz essa lavragem,/
cultiva as palavras, numa grande
plantação/ onde os homens colhem os frutos da linguagem".
Os Animais de Todo Mundo
Autor: Jacques Roubaud
Tradução: Paula Glenadel e Marcos Siscar
Ilustrações: Fefe Talavera
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 35 (152 págs.)
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