|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/romance
Roth retorna ao seu patinho feio devasso em "Animal Agonizante"
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
David Kepesh é o "filho"
feinho de Philip Roth.
Não tem nem a genialidade erótico-irônica de um Nathan Zuckerman nem a força
corrosiva (e às vezes comovente) do "personagem Philip
Roth", para citar outras duas
criações do autor, presentes em
livros como "Lição de Anatomia", "A Marca Humana",
"Operação Shylock" ou "Complô contra a América".
Mas de vez em quando ele
ressurge, como neste "O Animal Agonizante", romance de
2001 agora lançado no Brasil. É
impossível não vê-lo como um
exercício, uma espécie de rascunho das invenções mais poderosas do norte-americano
-um divertimento, talvez, que,
de qualquer modo, poucos conseguiriam igualar.
Kepesh apareceu em 1971,
em "The Breast" (o peito), deliciosa paródia de "A Metamorfose", de Kafka, já que ali, em
vez de se transformar em um
gigantesco inseto, o protagonista se via convertido numa
enorme glândula mamária. E
voltou em 1977, em "The Professor of Desire" (o professor
do desejo), numa trama que se
passava em termos cronológicos antes da incrível mutação.
Neste terceiro livro, o personagem envelheceu -o título
"The Dying Animal" ("O Animal Agonizante"), aliás, foi extraído de um verso do poema
"Viajando para Bizâncio", de
William Butler Yeats (1865-1939), tematização da decadência do corpo e da perspectiva da
morte que está entre os textos
mais importantes do escritor
irlandês. Ele está mais velho,
mas ainda bastante devasso.
Aposentado de suas funções
de professor de literatura, Kepesh há anos se dedica a um
único curso, de "Crítica Prática", que, por ser muito frequentado por alunas, se tornara excelente campo de seleção para
futuras amantes. E ali ele conhece a cubana Consuela Castillo, um "mulherão grande (...),
que tem seios poderosos, lindos", que logo, e involuntariamente, coloca o predador sexual em papel de absoluta submissão, dominado pelo ciúme e
muito consciente de seu declínio físico e de seus limites. Não
de forma tão "concreta" quanto
em "The Breast", os peitos "tamanho 44" de Consuela Castillo assumem posição central no
enredo, primeiro como "objetos" de adoração sexual-estética e, em seguida, como causadores de um possível retorno à
frágil condição humana.
Essa relação não é tão improvável assim, argumentaria Elizabeth Costello, escritora concebida por outro grande autor,
J.M. Coetzee, ganhador de um
Nobel de Literatura que Philip
Roth também já deveria ter.
Escreveu ela em uma carta
no romance que leva o seu nome (Companhia das Letras):
"Não há nada mais humanamente belo do que os seios de
uma mulher (...) Nada mais humanamente misterioso do que
o fato de os homens quererem
acariciar, sempre e sempre,
com pincéis, cinzéis ou mãos,
esses estranhos sacos gordurosos curvos, e nada mais humanamente enternecedor do que
nossa cumplicidade (falo da
cumplicidade das mulheres)
com a obsessão deles..."
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP e autor de "O Abismo Invertido".
O ANIMAL AGONIZANTE
Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (128 págs.)
Texto Anterior: Manuel da Costa Pinto: Bestiário irônico Próximo Texto: Roth no Brasil Índice
|