São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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Crítica/romance

Roth retorna ao seu patinho feio devasso em "Animal Agonizante"

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

David Kepesh é o "filho" feinho de Philip Roth. Não tem nem a genialidade erótico-irônica de um Nathan Zuckerman nem a força corrosiva (e às vezes comovente) do "personagem Philip Roth", para citar outras duas criações do autor, presentes em livros como "Lição de Anatomia", "A Marca Humana", "Operação Shylock" ou "Complô contra a América". Mas de vez em quando ele ressurge, como neste "O Animal Agonizante", romance de 2001 agora lançado no Brasil. É impossível não vê-lo como um exercício, uma espécie de rascunho das invenções mais poderosas do norte-americano -um divertimento, talvez, que, de qualquer modo, poucos conseguiriam igualar. Kepesh apareceu em 1971, em "The Breast" (o peito), deliciosa paródia de "A Metamorfose", de Kafka, já que ali, em vez de se transformar em um gigantesco inseto, o protagonista se via convertido numa enorme glândula mamária. E voltou em 1977, em "The Professor of Desire" (o professor do desejo), numa trama que se passava em termos cronológicos antes da incrível mutação. Neste terceiro livro, o personagem envelheceu -o título "The Dying Animal" ("O Animal Agonizante"), aliás, foi extraído de um verso do poema "Viajando para Bizâncio", de William Butler Yeats (1865-1939), tematização da decadência do corpo e da perspectiva da morte que está entre os textos mais importantes do escritor irlandês. Ele está mais velho, mas ainda bastante devasso. Aposentado de suas funções de professor de literatura, Kepesh há anos se dedica a um único curso, de "Crítica Prática", que, por ser muito frequentado por alunas, se tornara excelente campo de seleção para futuras amantes. E ali ele conhece a cubana Consuela Castillo, um "mulherão grande (...), que tem seios poderosos, lindos", que logo, e involuntariamente, coloca o predador sexual em papel de absoluta submissão, dominado pelo ciúme e muito consciente de seu declínio físico e de seus limites. Não de forma tão "concreta" quanto em "The Breast", os peitos "tamanho 44" de Consuela Castillo assumem posição central no enredo, primeiro como "objetos" de adoração sexual-estética e, em seguida, como causadores de um possível retorno à frágil condição humana. Essa relação não é tão improvável assim, argumentaria Elizabeth Costello, escritora concebida por outro grande autor, J.M. Coetzee, ganhador de um Nobel de Literatura que Philip Roth também já deveria ter. Escreveu ela em uma carta no romance que leva o seu nome (Companhia das Letras): "Não há nada mais humanamente belo do que os seios de uma mulher (...) Nada mais humanamente misterioso do que o fato de os homens quererem acariciar, sempre e sempre, com pincéis, cinzéis ou mãos, esses estranhos sacos gordurosos curvos, e nada mais humanamente enternecedor do que nossa cumplicidade (falo da cumplicidade das mulheres) com a obsessão deles..."


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e autor de "O Abismo Invertido".

O ANIMAL AGONIZANTE     
Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (128 págs.)


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