São Paulo, Quinta-feira, 03 de Junho de 1999
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A discoteca do Chacrinha


Caixa reúne "nata" da canção brega dos 70 para regravações dos maiores hits populares da década


da Reportagem Local

A caixa-projeto sêxtupla "A Discoteca do Chacrinha - 70 Sucessos Populares dos Anos 70", prestes a cair nas lojas de discos, chega como o bolo de noiva do casamento do dito com o não dito. Quem se atirar de antenas ligadas no inventário de brega e kitsch ali exposto terá chance de entender muito sobre a indústria musical nacional.
O coordenador do projeto, Márcio "Os Vips" Antonucci, convocou 54 artistas/grupos para regravar temas que nos 70 foram tão massificados quanto são hoje bundas, axés, pagodes e sertanejos. "O que definiu foi a vendagem. Quem vendeu 300 mil discos está aí", esclareceu. Chacrinha foi o pretexto congregador da diversidade.
Dos 54 escalados, apenas 12 são contratados de gravadoras. Dois são da própria Universal, que lança a caixa: a banda contemporânea de forró Capital do Sol e a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó.
Estão soltos no projeto, pois não fizeram sucesso algum nos 70. Fazem as vezes de Amelinha "frevo mulher" ("ela pediu R$ 60 mil, ficou louca, coitadinha", revolta-se Antonucci) e de Antonio "homem de Nazareth" Marcos, já morto.
De sucesso efêmero e batalhando para reaparecer à mídia, a quase totalidade dos reunidos parece piscar a axezeiros e pagodeiros: "Nós somos vocês amanhã".
Mais de três dezenas deles estiveram reunidos na terça-feira no teatro Studium (SP), ex-Zaccaro, numa maratona de entrevistas coletivas, ensaios e um show noturno. Aí, dito e não dito fizeram a festa.
Alguns não se furtaram de criticar a indústria. "O momento atual bem poderia voltar a ser o tempo do Chacrinha", sentiu saudades Wando "moça". "Pensam que artista é arquiteto, só propõem projeto", alfinetou Sidney "Sandra Rosa Madalena" Magal.
"A maioria dos artistas aqui sempre foi vítima das gravadoras. Nunca tivemos muita liberdade de criar", foi sincera Cláudia "perdi você, não tente esquecer" Telles.
Gretchen "freak le boom boom" engrossou o coro: "Eu nunca havia cantado. Me deram "Conga la Conga" e "Freak le Boom Boom", que são uma plágio da outra, e, quando pude resolver o que queria cantar, a onda já tinha passado. Há 21 anos tenho que cantar a mesma coisa".
À noite, Gretchen desmentiu em parte o enunciado, fazendo-se dos poucos artistas a encher o palco de performance, para além do canto dublado sem mexer nem a pestana. Filiaram-se à lista dos performáticos, apenas, Jane "não se vá" & Herondy "não me abandone por favor", Adriana "vesti azul, minha vida então mudou" (vestida de preto, note-se) e Sidney "meu sangue ferve por você" Magal.
Uns e outros refletem a fragilidade dos produtos de manipulação industrial -como no Chacrinha, cantaram dublados, errando tudo, assistidos de mesas que entrelaçavam o presidente da Universal e seus contratados Roberta Miranda e Terra Samba. Precisa dizer?
Houve as exceções, claro. Alguns declinaram dos convites: Reginaldo "Mon amour meu bem ma femme" Rossi, Gilliard "aquela nuvem que passa lá em cima sou eu", Lady "a noite vai chegar" Zu, Roberto "arrebita" Leal e Márcio "impossível acreditar que perdi você" Greyck. Tais canções foram regravadas, respectivamente, pelos estepes Odair "pare de tomar a pílula" José, Wanderley Cardoso, Cláudia "ainda te amo" Telles, The Fevers e Jerry Adriani, ufa.
Houve os deslocados, claro. Durante a entrevista coletiva, Paulo "I wanna to go back to Bahia" Diniz consagrou-se mestre do não dito. Avexado, sentou-se entre Gretchen "conga conga conga" e Sidney "tenho mil braços para abraçar-te" Magal e não deu um pio.
Falando à Folha em particular, explicou: "Há um engano nisso aí. Não tenho relação com o brega. Fui convidado porque fui habitué do Chacrinha. Pensei em encontrar Gal, Gil, Ney Matogrosso".
Ligado originalmente ao movimento black e hoje preso a uma cadeira de rodas devido a uma polineurite de que sofre há 17 anos, tentou encontrar o lado positivo do equívoco: "Para mim, vir aqui hoje e poder dar meu depoimento sobre aquela época é importante".
Não deu, mas nem também Antonio Carlos "você abusou" e Jocafi "tirou partido de mim, abusou" ou Fernando "aquela menina em sua cadeira de rodas" Mendes foram molestados pelos repórteres.
Almir "fuscão preto" Rogério ficou esperando a pergunta que não veio. O não dito estava dito. Odair "eu vou tirar você desse lugar" José, parecendo pouco à vontade no meio do grupo, também não.
Fugiu antes do fim da entrevista e, apanhado num canto, começou a falar: "Não, não fiquei deslocado. É que não me perguntaram nada. Nem concordo com o que o pessoal falou das gravadoras. As gravadoras são todas maravilhosas", não disse. Afirmou que é contratado da Universal -que desmentiu.
Mas tudo era festa. A memória de Chacrinha foi relativizada -Luiz Ayrão lembrou que Bolinha também foi "pai de todos nós"-, até pisoteada -com Ratinho (discurso fascista a tiracolo), ET, Lafond e Gretchen, parecia que Silvio Santos era o "velho guerreiro".
Daí, alguns instantes ficam impressos como o lado ingênuo/comovente: Elke Maravilha evocando "painho", Russo desconsolado e, clímax, Rita Cadillac chorando, descontrolada, enquanto simulava um striptease. Ninguém sente mais saudades de Chacrinha que Rita Cadillac, estava dito.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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