São Paulo, Quinta-feira, 03 de Junho de 1999
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ERUDITO
Quarteto faz jus à música

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

Três movimentos muitos diferentes: um "Andante" de Mozart, velado e distanciado, a música do lado de lá da música; um "Allegretto" de Brahms, determinado e agitado, a música do lado de dentro da música; e um "Andante" de Schubert, exasperado e maravilhado, a música do lado da música. Os três foram pontos altos no concerto que o Philharmonia Quartett Berlin apresentou anteontem no teatro Alfa Real.
Era o compositor Schoenberg quem gostava de distinguir os músicos da "corporação" -verdadeiros entendidos na prática da música- dos amadores (mesmo profissionais), para ele uma espécie de sonâmbulos.
Spallas de seus naipes na Filarmônica de Berlim, os membros do Philharmonia Quartett pertencem definitivamente à primeira categoria.
Com uma fluência que não é só da técnica, os quatro se dão para a música com a confiança que têm os que sabem que a música se dá para eles. A música que tocam está à altura de músicos que estão à altura dessa música. Eles sabem disso; e a música também.
No "Quarteto K. 168" de Mozart (1756-91), podem-se ouvir tantas coisas que dá pena resumir tudo em duas: Haydn e Mozart. Mas a história do "Quarteto" é essencialmente essa, Haydn transformado em outra música e Mozart aprendendo a ser Mozart com Haydn.
Elegias não têm data; e nem a alegria contrapontística do final poderia alterar, em retrospecto, as comoções do "Andante", no coração do "Quarteto". No coração do conjunto ficou a viola, que também ficava no coração do compositor.
A inteligência de Brahms (1833-97) é de outra ordem. Abençoado e atormentado pela perda da inocência mozartiana, seu "Quarteto nº 3" é uma lição de modernidade: como escrever movimentos amplos a partir de materiais mínimos, sem se valer de cadências simples e repetição periódica.
O Philharmonia tocou Brahms com uma consciência digna de Schoenberg. No coração do quarteto também fica a viola; no coração da forma, pequenos temas; mas no coração dessa música não fica nem puro som nem pura forma, mas uma melancolia enorme, ou algum outro afeto sem nome, que agora se chama Brahms.
Quatro músicos desse nível são sempre um prazer e um ensinamento. O entusiasmo dos estudantes na platéia acabou rendendo mais ensinamento e mais prazer: Ravel, pizzicatos, harmonias. E o Philharmonia chegou no limite do descontrole, para além da fluência e do alto artesanato.
Nesses momentos, a música compensa tudo, e um quarteto parece mais que o bastante para justificar os dias.


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E-mail: nestro@uol.com.br


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