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ERUDITO
Quarteto faz jus à música
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Três movimentos muitos diferentes: um "Andante" de Mozart, velado e distanciado, a
música do lado de lá da música;
um "Allegretto" de Brahms,
determinado e agitado, a música do lado de dentro da música;
e um "Andante" de Schubert,
exasperado e maravilhado, a
música do lado da música. Os
três foram pontos altos no concerto que o Philharmonia
Quartett Berlin apresentou anteontem no teatro Alfa Real.
Era o compositor Schoenberg
quem gostava de distinguir os
músicos da "corporação"
-verdadeiros entendidos na
prática da música- dos amadores (mesmo profissionais),
para ele uma espécie de sonâmbulos.
Spallas de seus naipes na Filarmônica de Berlim, os membros do Philharmonia Quartett
pertencem definitivamente à
primeira categoria.
Com uma fluência que não é
só da técnica, os quatro se dão
para a música com a confiança
que têm os que sabem que a
música se dá para eles. A música que tocam está à altura de
músicos que estão à altura dessa música. Eles sabem disso; e a
música também.
No "Quarteto K. 168" de Mozart (1756-91), podem-se ouvir
tantas coisas que dá pena resumir tudo em duas: Haydn e
Mozart. Mas a história do
"Quarteto" é essencialmente
essa, Haydn transformado em
outra música e Mozart aprendendo a ser Mozart com
Haydn.
Elegias não têm data; e nem a
alegria contrapontística do final poderia alterar, em retrospecto, as comoções do "Andante", no coração do "Quarteto". No coração do conjunto ficou a viola, que também ficava
no coração do compositor.
A inteligência de Brahms
(1833-97) é de outra ordem.
Abençoado e atormentado pela
perda da inocência mozartiana, seu "Quarteto nº 3" é uma
lição de modernidade: como
escrever movimentos amplos a
partir de materiais mínimos,
sem se valer de cadências simples e repetição periódica.
O Philharmonia tocou
Brahms com uma consciência
digna de Schoenberg. No coração do quarteto também fica a
viola; no coração da forma, pequenos temas; mas no coração
dessa música não fica nem puro som nem pura forma, mas
uma melancolia enorme, ou algum outro afeto sem nome,
que agora se chama Brahms.
Quatro músicos desse nível
são sempre um prazer e um ensinamento. O entusiasmo dos
estudantes na platéia acabou
rendendo mais ensinamento e
mais prazer: Ravel, pizzicatos,
harmonias. E o Philharmonia
chegou no limite do descontrole, para além da fluência e do alto artesanato.
Nesses momentos, a música
compensa tudo, e um quarteto
parece mais que o bastante para justificar os dias.
Avaliação:
E-mail: nestro@uol.com.br
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