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São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2003

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CRÍTICA

Diretor se expõe, sem vergonha, a comparações incômodas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Ao final da sessão a dúvida persiste: será "Longe do Paraíso" uma homenagem aos melodramas que Douglas Sirk fez nos anos 50? Ou uma refilmagem de "Tudo o que o Céu Permite"? Ou uma paródia desses (no sentido em que, ao imitá-los, faz uma crítica dos costumes dos anos 50)?
Talvez "Longe do Paraíso" seja, mais que tudo, uma paráfrase de "Tudo o que...", na medida em que aplica as mesmas idéias a situações ligeiramente diferentes.
No filme de Douglas Sirk, de 1956, Jane Wyman era viúva e se apaixonava pelo jardineiro Rock Hudson, provocando a indignação dos filhos e o desprezo das amigas. Em "Longe...", Todd Haynes nos fala de uma mulher rica e feliz (Julianne Moore), casada com um homem bem-sucedido (Dennis Quaid), que vive uma vida de sonho numa dessas cidades de sonho dos EUA, até descobrir que o marido é homossexual.
Depois, já separada, a mulher torna-se amiga de um jardineiro. Não Rock Hudson, mas um negro, o que traz à tona o racismo e a intolerância da cidadezinha. A distância entre "Tudo o que o Céu Permite" e "Longe do Paraíso" não é dada tanto pelas diferenças entre os personagens e situações, mas pelo fato de ambos serem ambientados nos anos 50. Isto é, Sirk filmava nos anos 50, enquanto Haynes recua até os anos 50.
A vantagem disso: Haynes aborda determinados assuntos de uma maneira que seria impensável na época. É especialmente feliz ao tratar de homossexualidade: as reações dos personagens, a forma como o fato é encarado (como doença), os perigos que rondam a reputação da pessoa -tudo nos joga no imaginário daqueles anos.
O filme é bem menos feliz na parte dedicada ao racismo, a um tempo óbvia demais e recatada em excesso. Em Sirk, o lado sentimental costumava ocultar o lado crítico; nos anos 2000, a crítica ao racismo goza de toda a liberdade. No entanto, algo soa falso.
Não chegamos a crer nos sentimentos da mulher branca pelo negro. Talvez as relações sejam pudicas demais, como se a correção política atual não bastasse para os produtores apostarem num amor interracial (isso mostra o quanto há de hipocrisia no "politicamente correto"). O certo é que a opção do filme ameniza de modo brutal as críticas que parece querer formular a respeito da homofobia e do racismo. Em lugar delas, surge uma crítica aos costumes dos anos 50 que, nessa altura, faz pouquíssimo sentido.
Haynes reproduz na primeira parte características bem sirkianas: ausência de bom-tom, desdém pela possibilidade do filme parecer ridículo, desprezo por aparentar "inteligência" ou "profundidade" (coisas que "Beleza Americana", por exemplo, esbanja, embora seja muito menos inteligente ou profundo).
Ao parafrasear "Tudo o que...", Haynes expõe-se a comparações incômodas. Perde, mas não passa vergonha. Não é pouca coisa. Quanto a Julianne Moore: quem se impressionou com seu episódio em "As Horas", veja isso aqui.


Longe do Paraíso
Far from Heaven
   
Produção: EUA, 2002
Direção: Todd Haynes
Com: Julianne Moore, Dennis Quaid
Quando: a partir de amanhã



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