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CRÍTICA
Diretor se expõe, sem vergonha, a comparações incômodas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Ao final da sessão a dúvida
persiste: será "Longe do Paraíso" uma homenagem aos melodramas que Douglas Sirk fez nos anos 50? Ou uma refilmagem
de "Tudo o que o Céu Permite"?
Ou uma paródia desses (no sentido em que, ao imitá-los, faz uma
crítica dos costumes dos anos 50)?
Talvez "Longe do Paraíso" seja,
mais que tudo, uma paráfrase de
"Tudo o que...", na medida em
que aplica as mesmas idéias a situações ligeiramente diferentes.
No filme de Douglas Sirk, de
1956, Jane Wyman era viúva e se
apaixonava pelo jardineiro Rock
Hudson, provocando a indignação dos filhos e o desprezo das
amigas. Em "Longe...", Todd
Haynes nos fala de uma mulher
rica e feliz (Julianne Moore), casada com um homem bem-sucedido (Dennis Quaid), que vive uma vida de sonho numa dessas cidades de sonho dos EUA, até descobrir que o marido é homossexual.
Depois, já separada, a mulher
torna-se amiga de um jardineiro.
Não Rock Hudson, mas um negro, o que traz à tona o racismo e a
intolerância da cidadezinha. A
distância entre "Tudo o que o Céu
Permite" e "Longe do Paraíso"
não é dada tanto pelas diferenças
entre os personagens e situações,
mas pelo fato de ambos serem
ambientados nos anos 50. Isto é,
Sirk filmava nos anos 50, enquanto Haynes recua até os anos 50.
A vantagem disso: Haynes aborda determinados assuntos de
uma maneira que seria impensável na época. É especialmente feliz
ao tratar de homossexualidade: as reações dos personagens, a forma
como o fato é encarado (como
doença), os perigos que rondam a
reputação da pessoa -tudo nos
joga no imaginário daqueles anos.
O filme é bem menos feliz na
parte dedicada ao racismo, a um
tempo óbvia demais e recatada
em excesso. Em Sirk, o lado sentimental costumava ocultar o lado
crítico; nos anos 2000, a crítica ao
racismo goza de toda a liberdade.
No entanto, algo soa falso.
Não chegamos a crer nos sentimentos da mulher branca pelo
negro. Talvez as relações sejam
pudicas demais, como se a correção política atual não bastasse para os produtores apostarem num
amor interracial (isso mostra o
quanto há de hipocrisia no "politicamente correto"). O certo é que
a opção do filme ameniza de modo brutal as críticas que parece
querer formular a respeito da homofobia e do racismo. Em lugar
delas, surge uma crítica aos costumes dos anos 50 que, nessa altura,
faz pouquíssimo sentido.
Haynes reproduz na primeira
parte características bem sirkianas: ausência de bom-tom, desdém pela possibilidade do filme parecer ridículo, desprezo por
aparentar "inteligência" ou "profundidade" (coisas que "Beleza
Americana", por exemplo, esbanja, embora seja muito menos inteligente ou profundo).
Ao parafrasear "Tudo o que...", Haynes expõe-se a comparações
incômodas. Perde, mas não passa
vergonha. Não é pouca coisa.
Quanto a Julianne Moore: quem
se impressionou com seu episódio em "As Horas", veja isso aqui.
Longe do Paraíso
Far from Heaven
Produção: EUA, 2002
Direção: Todd Haynes
Com: Julianne Moore, Dennis Quaid
Quando: a partir de amanhã
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