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livros
CRÍTICA CONTO
Delicadeza equilibra cardápio pesado das narrativas de Charles D'Ambrosio
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
"O Museu do Peixe Morto"
traz oito histórias de Charles
D'Ambrosio, bom contista
norte-americano de quem a
Grua Livros já havia publicado "A Ponta".
As situações desenvolvidas pelos textos não são fáceis, como anuncia epígrafe
de Camus: "O homem desesperado não tem terra natal."
Em "Drummond & Filho",
o dono de uma surpreendentemente bem-sucedida loja
de máquinas de escrever
-essas relíquias de um passado tão próximo- precisa
lidar com o filho adulto e os
transtornos causados por
uma doença mental.
Em "O Roteirista", o cenário é um sanatório, no qual
surge uma estranha relação
entre o narrador-problemático e outra paciente.
Já em "Lá no Norte", o leitor segue com crescente angústia a visita do protagonista ao chalé da família de sua
mulher, que fora vítima de
abuso sexual antes de conhecê-lo, não sentia prazer e o
traía repetidamente.
Como se nota, não é um catálogo de temas leves. A força
de quase todas as narrativas
de D'Ambrosio, contudo, decorre do contraste entre esse
universo pesado e a delicadeza com que as histórias são
conduzidas, delicadeza que
se materializa, para ficar nos
contos citados, no amor compreensivo do pai, na autoironia conformada do roteirista
apaixonado pela piromaníaca ou na sofrida complacência do marido traído.
Esse tom menor -que se
impõe pela redução, pelo tratamento "não sensacionalista"- fica evidente no conto
que dá nome ao livro.
A certa altura uma personagem diz: "Estou começando a sentir certa familiaridade perto de você. Não é que
me sinta confortável. É como
se tudo isso fosse de uma outra vida, como se a gente já tivesse estado aqui antes."
Não há, porém, espaço para aparições grandiloquentes, daí ela imediatamente
completar: "Não em outra
época da história ou coisa parecida. Não fomos imperadores romanos juntos. Foi numa vida passada, mas há
duas semanas, por aí."
Se a premissa indicada pela epígrafe -de que o homem
desesperado não tem terra
natal-, for válida, essa saída
contida presente nos contos
não deixa de ser, pelo menos,
uma solução digna para lidar
com esse -de todos nós- desenraizamento fundamental.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de
literatura da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades (EACH) da USP
O MUSEU DO PEIXE MORTO
AUTOR Charles D'Ambrosio
TRADUÇÃO Dóris Fleury
EDITORA Grua Livros
QUANTO R$ 42 (256 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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