São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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livros

CRÍTICA CONTO

Delicadeza equilibra cardápio pesado das narrativas de Charles D'Ambrosio

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Museu do Peixe Morto" traz oito histórias de Charles D'Ambrosio, bom contista norte-americano de quem a Grua Livros já havia publicado "A Ponta".
As situações desenvolvidas pelos textos não são fáceis, como anuncia epígrafe de Camus: "O homem desesperado não tem terra natal."
Em "Drummond & Filho", o dono de uma surpreendentemente bem-sucedida loja de máquinas de escrever -essas relíquias de um passado tão próximo- precisa lidar com o filho adulto e os transtornos causados por uma doença mental.
Em "O Roteirista", o cenário é um sanatório, no qual surge uma estranha relação entre o narrador-problemático e outra paciente.
Já em "Lá no Norte", o leitor segue com crescente angústia a visita do protagonista ao chalé da família de sua mulher, que fora vítima de abuso sexual antes de conhecê-lo, não sentia prazer e o traía repetidamente.
Como se nota, não é um catálogo de temas leves. A força de quase todas as narrativas de D'Ambrosio, contudo, decorre do contraste entre esse universo pesado e a delicadeza com que as histórias são conduzidas, delicadeza que se materializa, para ficar nos contos citados, no amor compreensivo do pai, na autoironia conformada do roteirista apaixonado pela piromaníaca ou na sofrida complacência do marido traído.
Esse tom menor -que se impõe pela redução, pelo tratamento "não sensacionalista"- fica evidente no conto que dá nome ao livro.
A certa altura uma personagem diz: "Estou começando a sentir certa familiaridade perto de você. Não é que me sinta confortável. É como se tudo isso fosse de uma outra vida, como se a gente já tivesse estado aqui antes."
Não há, porém, espaço para aparições grandiloquentes, daí ela imediatamente completar: "Não em outra época da história ou coisa parecida. Não fomos imperadores romanos juntos. Foi numa vida passada, mas há duas semanas, por aí."
Se a premissa indicada pela epígrafe -de que o homem desesperado não tem terra natal-, for válida, essa saída contida presente nos contos não deixa de ser, pelo menos, uma solução digna para lidar com esse -de todos nós- desenraizamento fundamental.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP



O MUSEU DO PEIXE MORTO

AUTOR Charles D'Ambrosio
TRADUÇÃO Dóris Fleury
EDITORA Grua Livros
QUANTO R$ 42 (256 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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