São Paulo, sexta-feira, 03 de agosto de 2001

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CINEMA/ESTRÉIAS

Na pele dos humanos

Versão de Tim Burton para "Planeta dos Macacos" ganha abordagem sobre o mundo atual

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Tim Burton é um cineasta político, e é nessa direção que encaminha a nova versão de "Planeta dos Macacos".
No original, de Franklin Schaffner (de 1967), a história dos astronautas transportados a um futuro remoto, para um planeta onde os macacos dominavam os homens, colocava ênfase sobretudo na descoberta de um universo bem maior do que o conhecido até aqui.
Estávamos no auge da corrida espacial. Schaffner evitava o confronto habitual entre homens e seres extraterrestres e investia num veio bem mais original: o homem era confrontado a si mesmo, à sua evolução, à hipótese de autodestruição (a Guerra Fria também estava em pleno andamento). O homem era o macaco do homem, por assim dizer: seu antecessor, na escala da evolução, que, por incompetência, via-se reduzido à condição de ser dominado.
Essas características não estão ausentes da nova versão. Mas a ênfase de Burton vai para a questão da dominação, o que certas mudanças deixam claro.

Novos rumos
A primeira, talvez mais importante, é a substituição de Zira, símia especialista em homens, por Ari, filha de um senador e uma típica intelectual de boas intenções, que observa estarrecida o mundo em que vive, onde os homens são escravizados, o militarismo é uma ameaça constante (representado aqui sobretudo pelo general Thade) e o obscurantismo em relação ao outro corre solto.
Em poucas palavras, Burton deixa as sutilezas de lado para tornar claro que é da sociedade humana que está falando. A cultura simiesca é primitiva, menos por serem os macacos primitivos do que por representarem o que o ser humano tem de pior, da incapacidade de conviver com as diferenças (as menções, irônicas ou não, ao racismo são frequentes) ao sadismo explícito que domina essa cultura.
Não por acaso, Burton volta a investir numa direção de arte puxada para o gótico (não muito diferente da futurística Gotham City de "Batman"), que não raro evoca o nazismo (mas, como se verá no lancinante final, não é o nazismo o seu alvo).
No setor roteiro, o filme divide-se em duas partes. A primeira, até a fuga dos homens (acompanhados de Ari); a segunda, em torno da cidade proibida; e o epílogo.
É verdade que o roteiro perde força na segunda parte, ao se tornar excessivamente demonstrativo: trata-se, então, de dar ênfase aos arroubos destrutivos dos militares e seu espírito brucutu.

Épico
É nessa parte, no entanto, que mais pensamos no que poderia render um filme como "Gladiador", se não estivesse nas mãos inconsequentes de Ridley Scott. Com Tim Burton, voltamos à era dos grandes épicos, de "Spartacus" (representação de uma revolta de escravos em Roma, por Stanley Kubrick), até "Os Dez Mandamentos" (a fuga dos judeus do Egito, segundo Cecil B. DeMille). Que Burton está mais próximo do progressismo de Kubrick do que do reacionarismo de DeMille, não há dúvida. Mas não é esse o ponto: é o sentimento de grandeza do cinema que ressurge na tela. Não estamos lá apenas para passar duas horas agradáveis. O cinema pode ser um pouco mais.
É isso justamente que o novo "Planeta dos Macacos" nos oferece: uma reflexão sobre o mundo contemporâneo, suas mazelas políticas, a maneira como a opressão se instala pela força e em seguida forja um discurso para se justificar.
É isso que faz admirar o diretor Tim Burton: um dos raros cineastas capazes de conviver com Hollywood e ganhar batalhas contra seus símios. Porque, em outro nível, "Planeta dos Macacos" não deixa de ser uma simpática metáfora da luta desigual entre realizadores consequentes e os símios que dominam a indústria de cinema.


Planeta dos Macacos
Planet of the Apes
    
Direção: Tim Burton
Produção: EUA, 2001
Com: Tim Roth, Mark Wahlberg, Helena Bonham-Carter
Quando: a partir de hoje nos cines Plaza Shopping, Cinearte, Eldorado, Iguatemi, Lar Center, Morumbi, Unibanco Arteplex e circuito




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