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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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Coletânea de polêmicas, "Mulheres Apaixonadas" é um marco na tradicional estratégia das novelas de gerar discussão para garantir sucesso de audiência

Estética da encrenca

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

CLÁUDIA CROITOR
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DO RIO

Não basta estar nas revistas de fofoca, nos programas de besteirol vespertinos da TV e ser assunto no café da manhã, almoço e jantar dos telespectadores. Novela de sucesso que se preze vira tema de discussão na prefeitura, no Congresso, no governo, na igreja.
A atual novela das oito, "Mulheres Apaixonadas", é um marco na "estética da polêmica". Desta vez, o autor, Manoel Carlos, polêmico de longa data, não perdeu a chance de plantar a semente da repercussão, por mais coadjuvante que pudesse ser o personagem.
Exemplo claro é a família de Carlão (Marcos Caruso). Fora do núcleo central, a casa vive num eterno barulho. O filho, virgem, já falou sobre masturbação. A filha maltrata os avós, que têm dúvida se devem ou não morar num asilo. Já apanhou do pai de cinta.
E isso não é nada perto do casal teen de lésbicas, do padre apaixonado por uma socialite, do marido espancador, da professora que quer namorar um aluno menor...
Tanto assunto transbordou o simples bate-papo de telespectador. Por um lado, o Ministério Público reclassificou a novela para as 21h e a Prefeitura do Rio dificultou a gravação de uma cena de morte por bala perdida. Por outro, gerou no Congresso discussão sobre direitos dos idosos e ampliou o número de mulheres em grupos anônimos de ajuda.
E, no Ibope, o resultado não poderia ser diferente: na semana passada, "Mulheres" bateu recorde, com 55 pontos de média (mais de 2,6 milhões de domicílios só na Grande SP). Manoel Carlos, 70, não entrou ontem nessa escola. Sua primeira "aula" foi como colaborador de Gilberto Braga, em "Água Viva" (1980). A novela, estréia dele em horário nobre, teve topless, um escândalo na época.
Em "Laços de Família", o autor também foi "rei" da notícia. A Justiça proibiu a participação de menores, a igreja não liberou paróquias para a cena de um casamento em que a noiva estava grávida, e a novela ganhou prêmio por abordar a doação de medula. Batizadas de merchandising social, as ações "instrutivas" agradam a audiência. A prevenção ao câncer de mama, tratada em "Mulheres", já foi abordada em outra de Manoel Carlos, "História de Amor" (96), gerando procura por exames preventivos.
Para o autor, as polêmicas são necessárias ao sucesso e sustentam a longa duração das novelas. "São mais de 200 capítulos. Se considerarmos que cada capítulo tem um mínimo de 25 cenas, serão 5.000 a serem criadas."
Ele diz que, ao elaborar a história, tem idéia da repercussão que causará. "Procuro pensar em tudo, já que uma novela precisa de muitos ingredientes para decolar. Uma boa história exige uma pitada de vários condimentos."
Num ramo diferente da "estética da encrenca" está Carlos Lombardi, de "Kubanacan". A atual novela das sete está na mira do Ministério da Justiça, que vê excesso de violência e sexo na história. Problema semelhante teve a trama anterior do autor, "Uga Uga", exibida na mesma época de "Laços". A Globo afirma que as novelas são adequadas ao horário. E Lombardi, que não cria "polêmica alguma junto ao público. Quem cria é a mídia". E a fórmula dá certo: as duas novelas são sucesso de ibope. "Kubanacan" bateu 40 pontos de média nacional.
A "escola da polêmica" já mexeu com eleições e até com a lei do divórcio. Em 1978, a questão "Quem matou Salomão Ayala?", de "O Astro", "parou" o país. Após o fim da trama, Carlos Drummond de Andrade escreveu: "Agora que "O Astro" acabou vamos cuidar da vida, que o Brasil está lá fora esperando". Vamos?



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