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Crítica/"As Leis de Família"
Burman faz belo estudo dos papéis sociais
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Não é apenas com grandes filmes que diretores constroem obras
sólidas. Alguns optam por um
cinema "menor", sem altos
vôos estilísticos ou temáticos,
para afirmar um ponto de vista
singular, uma poesia em pequena escala -e nem por isso menos relevante. O caso do argentino Daniel Burman é característico dessa escolha.
Desde seu segundo longa,
"Esperando o Messias", feito
em 2000, ele se afirmou como
um dos talentos do novo cinema argentino que invadiu o
mundo e chamou o interesse de
crítica e público. "Todas as Aeromoças Vão para o Céu" e, sobretudo, "O Abraço Partido",
seus trabalhos seguintes, vieram confirmar uma opção pelo
detalhe e um gosto pela crônica
cotidiana, sempre marcados
pelo humor judaico.
Com "Leis de Família", Burman reitera seu vocabulário e
ao mesmo tempo busca encontrar saídas para não ser identificado como um cineasta que
faz sempre o mesmo filme.
Em seu novo longa, Burman
recorre mais uma vez ao fiel
Daniel Hendler, uma espécie
de alter ego do diretor. Hendler
vive Ariel Perelman, um professor de direito também filho
de um advogado, com o qual
mantém um relacionamento
ao mesmo tempo afetuoso e
conflitante.
A família é o tema recorrente
dos filmes de Burman, que persegue seus meandros como um
moralista, tentando enxergar o
descompasso entre impulsos
individuais e funções sociais
pré-determinadas.
A presença recorrente de
Hendler aproxima os filmes de
Burman do ciclo Antoine Doinel, em que Truffaut seguia as
mutações existenciais do personagem de Jean Pierre Léaud,
da infância à idade adulta.
Só que, em vez de repetir o
foco nas relações amorosas,
Burman as desloca para o campo dos papéis sociais. Em "Leis
de Família", esse interesse se
renova na sobreposição de lugares de seu protagonista, ao
mesmo tempo filho e pai, que
se vê obrigado a tolerar as divergências fora de casa e a reproduzir funções familiares
dentro de casa.
Nessa ambigüidade, o que
Burman consegue representar
com vivacidade é o descompasso entre as leis e os fatos, entre
a determinação e o livre-arbítrio, do qual ninguém se encontra a salvo.
AS LEIS DE FAMÍLIA
Direção: Daniel Burman
Produção: Argentina, 2006
Com: Daniel Hendler, Arturo Goetz e Adriana Aizemberg
Onde: em cartaz no Frei Caneca Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e
circuito
Avaliação: ótimo
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