São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Não precisa entender, é uma brincadeira"

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Do lado de fora, no último domingo (dia de entrada franca), a fila se estende até metade da marquise do Ibirapuera. Lá dentro, cem pessoas por vez conseguem ver, embasbacadas ou não, as obras de Marcel Duchamp (1887-1968) reunidas no MAM de São Paulo. Se boa parte das mais de 23 mil pessoas que já visitaram a mostra, desde a abertura há duas semanas, podem ter passado reto pela primeira sala, com a cronologia da vida do artista, seu urinol branco ainda é capaz de frear os passos. "Achar que um mictório é uma obra de arte só deve fazer sentido na cabeça dele", opina a produtora de eventos Bete Fonseca, 39. Ela e o filho Gabriel, 6, passaram alguns minutos em volta da obra -ele bem mais entretido do que ela, é verdade. "Não esperava ver isso num museu, mas quis trazer meu filhote para treinar o olhar", diz Fonseca. Não foram poucos os que seguiram o exemplo. Crianças correndo de um lado para outro e até carrinhos de bebê disputavam o espaço do museu. "Se alguém ajuda a abrir meus olhos, consigo ver de maneira diferente", diz o químico Alfredo Alder, 56, que consultava os monitores do museu sobre cada obra lá dentro -ele parou para fotografar várias delas. "A gente anda tão cego pelo mundo, mas não precisa entender, é uma brincadeira." "É aquela gozação de escola, é o sonho de todo mundo entrar num museu e fazer um bigodinho na Monalisa", diz o vendedor Sérgio Dias, 25, sobre "L.H.O.O.Q.", em que Duchamp rabisca sobre um pôster da obra-prima de Da Vinci, peça central de seu questionamento à aura do objeto de arte. "Ele era um cara muito safado, dá para ver pelas obras que ele fez", diz a estudante Alessandra Liebscher, 19, sem esconder a frustração. "Depois dele, os artistas ficaram mais preguiçosos, basicamente." Dias e Liebscher concordam que tudo que viram ali tem lá sua validade histórica, mas queriam algo mais "sério". "Hoje jogam um balde de tinta na parede e falam que é arte, qualquer criancinha desenha e faz uma exposição", resmunga Dias. "Hoje é normal, nada surpreende", arremata Liebscher. Para os mais íntimos de Duchamp, não passa de uma chance de ver de perto o que causou tanto escândalo no século passado. "Na época, as pessoas ficaram assustadas", diz o estudante Danilo Benitez, 24. "Mas isso tudo já virou ícone dessa fase transgressora."

MARCEL DUCHAMP
Quando: de ter. a dom., das 10h às 18h; até 21/9
Onde: MAM-SP (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, parque Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5085-1300; classificação indicativa: livre)
Quanto: R$ 5,50; entrada franca aos domingos



Texto Anterior: Artigo: Retrospectiva de Duchamp é algo muitíssimo absurdo
Próximo Texto: Coleção retrata grandes nomes da bossa nova
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.