|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROMANCE
Há 25 anos nos EUA, o exilado Khaled Hosseini reconcilia-se com o passado em ficção sobre a amizade e a culpa
Afegão verte memórias de beleza e caos
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Já houve, quem diria, um Afeganistão que não era sinônimo de
terror. Ao menos não daquele que
corresponde à imagem comum,
colada na retina ocidental pós-11
de Setembro. Esse país, anterior à
invasão soviética e à ditadura do
Taleban, mas marcado pelo caos
social, é cenário e ponto de partida para a história de amizade e reparação do passado de "O Caçador de Pipas" (ed. Nova Fronteira), primeiro livro de Khaled Hosseini, 40, exilado afegão que vive
há 25 anos nos Estados Unidos.
Nele, Hosseini recorre às lembranças de sua infância para descrever uma Cabul onde era permitido ler tanto o poeta persa
Omar Khayyam quanto clássicos,
de Julio Verne a Victor Hugo, ou
assistir a westerns, como "Sete
Homens e um Destino", e empinar pipas, brincadeira depois banida pelos talebans.
A descrição desta Cabul, assumidamente idílica, é feita na voz
de Amir, personagem de fortes
tintas autobiográficas: como Hosseini, filho de um ex-diplomata,
Amir vem de uma família afegã rica, obrigada a se exilar nos Estados Unidos, nos anos 80, onde ele
se torna um escritor de sucesso.
Sim, Hosseini também é autor de
sucesso: seu livro de estréia já vendeu mais de 2 milhões de exemplares somente nos EUA.
Em parte pessoal também é a
conflituosa história de amizade e
culpa que percorre o livro, entre
Amir e Hassan, um garoto hazara
[etnia de origem mongol, discriminada pela maioria afegã], filho
de um empregado de seu pai.
"Também fui amigo de alguém
que trabalhava na casa de meu
pai, um homem hazara, Hossein
Khan, que tinha seus 30 anos
quando eu era garoto, e que me levava ao cinema, ao parque etc. Era
analfabeto e fui eu quem o ensinou o farsi [idioma falado no Afeganistão]", recorda Hosseini, em
entrevista à Folha.
"Somente mais velho entendi
que aquele havia sido meu primeiro confronto com as diferenças daquela sociedade. Uma lição
de como a religião, a história e a
sociedade podem conspirar para
criar abismos entre pessoas vivendo sob um mesmo teto. Esta
relação serviu em parte de inspiração para o livro."
A linha histórica de "O Caçador
de Pipas" é tortuosa. Ela atravessa
a queda da monarquia e o início
da república afegã, em 1973, a invasão soviética de 1978, até chegar
em 2001, quando Amir, já adulto,
tenta pagar uma dívida do passado. No Afeganistão, já sob o regime Taleban, Amir quer ajudar o
filho de Hassan, com quem tinha
uma relação ambígua. Era amigo,
mas não deixava de vê-lo como
mero empregado, até mesmo
quando viu, sem intervir, Hassan
ser violentado por garotos que
participavam de um dos tradicionais campeonatos de pipas.
"Ele volta para reparar um erro
do passado, resgatar uma criança
que nunca conheceu e salvar a si
mesmo", diz o autor.
Incensado pela crítica, "O Caçador de Pipas" não tardou a chamar a atenção de Hollywood e
atrair o primeiro time da indústria americana. Os direitos de
adaptação foram comprados pela
DreamWorks. A direção hesitou
nas mãos de Sam Mendes ("Beleza Americana"), mas deve ficar
com Marc Forster ("Em Busca da
Terra do Nunca").
O roteiro está sendo finalizado
por David Benioff, roteirista de "A
Última Noite" (de Spike Lee),
"Tróia", "Stay" (novo filme de
Forster) e "Wolverine".
"Implorei aos produtores para
escrever o roteiro", diz Benioff,
em entrevista à Folha. "As imagens são intensamente cinematográficas. O campeonato de pipas,
por exemplo, ficará espetacular
na tela. As cores e o esplendor de
Cabul nos anos 70 vai contrastar
dramaticamente com as roupas
pardas impostas pelos talebans. O
desafio agora será não fazer um
filme de seis horas. Há muitas cenas maravilhosas."
O Caçador de Pipas
Autor: Khaled Hosseini
Tradução: Maria Helena Rouanet
Editora: Nova Fronteira
Quanto: indefinido (368 págs.;
lançamento no dia 17 de setembro)
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Cabul pós-Taleban mantém poesia e distorção social Índice
|