São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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ROMANCE

Há 25 anos nos EUA, o exilado Khaled Hosseini reconcilia-se com o passado em ficção sobre a amizade e a culpa

Afegão verte memórias de beleza e caos

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Já houve, quem diria, um Afeganistão que não era sinônimo de terror. Ao menos não daquele que corresponde à imagem comum, colada na retina ocidental pós-11 de Setembro. Esse país, anterior à invasão soviética e à ditadura do Taleban, mas marcado pelo caos social, é cenário e ponto de partida para a história de amizade e reparação do passado de "O Caçador de Pipas" (ed. Nova Fronteira), primeiro livro de Khaled Hosseini, 40, exilado afegão que vive há 25 anos nos Estados Unidos.
Nele, Hosseini recorre às lembranças de sua infância para descrever uma Cabul onde era permitido ler tanto o poeta persa Omar Khayyam quanto clássicos, de Julio Verne a Victor Hugo, ou assistir a westerns, como "Sete Homens e um Destino", e empinar pipas, brincadeira depois banida pelos talebans.
A descrição desta Cabul, assumidamente idílica, é feita na voz de Amir, personagem de fortes tintas autobiográficas: como Hosseini, filho de um ex-diplomata, Amir vem de uma família afegã rica, obrigada a se exilar nos Estados Unidos, nos anos 80, onde ele se torna um escritor de sucesso. Sim, Hosseini também é autor de sucesso: seu livro de estréia já vendeu mais de 2 milhões de exemplares somente nos EUA.
Em parte pessoal também é a conflituosa história de amizade e culpa que percorre o livro, entre Amir e Hassan, um garoto hazara [etnia de origem mongol, discriminada pela maioria afegã], filho de um empregado de seu pai.
"Também fui amigo de alguém que trabalhava na casa de meu pai, um homem hazara, Hossein Khan, que tinha seus 30 anos quando eu era garoto, e que me levava ao cinema, ao parque etc. Era analfabeto e fui eu quem o ensinou o farsi [idioma falado no Afeganistão]", recorda Hosseini, em entrevista à Folha.
"Somente mais velho entendi que aquele havia sido meu primeiro confronto com as diferenças daquela sociedade. Uma lição de como a religião, a história e a sociedade podem conspirar para criar abismos entre pessoas vivendo sob um mesmo teto. Esta relação serviu em parte de inspiração para o livro."
A linha histórica de "O Caçador de Pipas" é tortuosa. Ela atravessa a queda da monarquia e o início da república afegã, em 1973, a invasão soviética de 1978, até chegar em 2001, quando Amir, já adulto, tenta pagar uma dívida do passado. No Afeganistão, já sob o regime Taleban, Amir quer ajudar o filho de Hassan, com quem tinha uma relação ambígua. Era amigo, mas não deixava de vê-lo como mero empregado, até mesmo quando viu, sem intervir, Hassan ser violentado por garotos que participavam de um dos tradicionais campeonatos de pipas.
"Ele volta para reparar um erro do passado, resgatar uma criança que nunca conheceu e salvar a si mesmo", diz o autor.
Incensado pela crítica, "O Caçador de Pipas" não tardou a chamar a atenção de Hollywood e atrair o primeiro time da indústria americana. Os direitos de adaptação foram comprados pela DreamWorks. A direção hesitou nas mãos de Sam Mendes ("Beleza Americana"), mas deve ficar com Marc Forster ("Em Busca da Terra do Nunca").
O roteiro está sendo finalizado por David Benioff, roteirista de "A Última Noite" (de Spike Lee), "Tróia", "Stay" (novo filme de Forster) e "Wolverine".
"Implorei aos produtores para escrever o roteiro", diz Benioff, em entrevista à Folha. "As imagens são intensamente cinematográficas. O campeonato de pipas, por exemplo, ficará espetacular na tela. As cores e o esplendor de Cabul nos anos 70 vai contrastar dramaticamente com as roupas pardas impostas pelos talebans. O desafio agora será não fazer um filme de seis horas. Há muitas cenas maravilhosas."


O Caçador de Pipas
Autor:
Khaled Hosseini
Tradução: Maria Helena Rouanet
Editora: Nova Fronteira
Quanto: indefinido (368 págs.; lançamento no dia 17 de setembro)


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