São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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Cabul pós-Taleban mantém poesia e distorção social

DA REPORTAGEM LOCAL

Foi somente em março de 2003, mais de 20 anos fora do Afeganistão, que Khaled Hosseini voltou a Cabul. O médico, casado e pai de dois filhos, que vive em San José, na Califórnia, queria rever a cidade natal, a casa onde viveu, falar com as pessoas, ouvir suas histórias. Encontrou uma Cabul bem diferente da que transpôs de suas lembranças para "O Caçador de Pipas". Leia a seguir trechos da entrevista que ele deu à Folha.

 

Folha - Uma história como a de seu livro poderia acontecer no Afeganistão de hoje?
Khaled Hosseini -
Suponho que em parte sim, porque, embora as leis tenham equiparado oficialmente todas as pessoas, as velhas estruturas sociais ainda existem. Então seria possível imaginar um Amir e um Hassan. Entretanto, boa parte da história de Amir envolvia o fato de ele ser da aristocracia. E a aristocracia afegã saiu há muito tempo do país. Além disso, aquela Cabul pacífica, quase idílica, descrita no livro, já não existe mais. Hoje ela é mais populosa, mais perigosa, há mais pobreza, e a cultura das armas e da guerra está impregnada na cidade.

Folha - E a literatura feita no Afeganistão, como foi afetada?
Hosseini -
Hoje boa parte dela consiste de poesia, que é memorizada e passada oralmente às novas gerações. Antes das guerras, também havia contistas, novelistas e dramaturgos. Durante o regime soviético os escritores eram forçados a fazer livros de propaganda comunista. Os talebans baniram a arte, a literatura aí incluída. Mas algumas pessoas continuaram a escrever clandestinamente. Hoje, há novos escritores, mas são limitados pela falta de recursos e infra-estrutura. Então, boa parte da literatura afegã de hoje é produzida no exílio.

Folha - Até que ponto "O Caçador de Pipas" é a história de sua vida?
Hosseini -
As descrições da Cabul dos anos 70, a organização social, o ambiente político, tudo é baseado nas minhas próprias lembranças. Os campeonatos de pipa refletem o modo como eu e meu irmão nos divertíamos. Assim como o amor de Amir e Hassan pelo cinema, principalmente os westerns. A parte final do livro, que se passa na Cabul sob o regime taleban, é inteiramente ficcional.

Folha - Você é afegão, um estreante nas letras, mas seu livro vendeu 2 milhões de cópias nos Estados Unidos. Nesta perspectiva, os americanos não parecem ter se fechado tanto com o 11 de Setembro...
Hosseini -
Não sofri nenhum tipo de distanciamento. Mas vivenciei os ataques de duas formas: primeiro, como americano, fiquei tão chocado quanto qualquer um à minha volta. Também sofri como afegão, sabendo que haveria mais bombardeios no Afeganistão e que mais pessoas inocentes morreriam. Foi uma época tumultuada na comunidade afegã. Todos queriam a retirada dos talebans, mas estavam receosos de seu custo.

Folha - Há um novo livro a caminho?
Hosseini -
Estou escrevendo um segundo livro, que também se passa no Afeganistão. Mas, enquanto "O Caçador de Pipas" se debruça sobre questões étnicas, religiosas e de classe, este lidará com o gênero e as circunstâncias que contribuem para que duas mulheres tenham uma amizade duradoura. Deve ficar pronto nos próximos seis meses. (ES)


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