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Cabul pós-Taleban mantém poesia e distorção social
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi somente em março de
2003, mais de 20 anos fora do
Afeganistão, que Khaled Hosseini voltou a Cabul. O médico,
casado e pai de dois filhos, que
vive em San José, na Califórnia, queria rever a cidade natal,
a casa onde viveu, falar com as
pessoas, ouvir suas histórias.
Encontrou uma Cabul bem diferente da que transpôs de suas
lembranças para "O Caçador
de Pipas". Leia a seguir trechos
da entrevista que ele deu à Folha.
Folha - Uma história como a
de seu livro poderia acontecer
no Afeganistão de hoje?
Khaled Hosseini - Suponho
que em parte sim, porque, embora as leis tenham equiparado oficialmente todas as pessoas, as velhas estruturas sociais ainda existem. Então seria
possível imaginar um Amir e
um Hassan. Entretanto, boa
parte da história de Amir envolvia o fato de ele ser da aristocracia. E a aristocracia afegã
saiu há muito tempo do país.
Além disso, aquela Cabul pacífica, quase idílica, descrita no
livro, já não existe mais. Hoje
ela é mais populosa, mais perigosa, há mais pobreza, e a cultura das armas e da guerra está
impregnada na cidade.
Folha - E a literatura feita no
Afeganistão, como foi afetada?
Hosseini - Hoje boa parte dela
consiste de poesia, que é memorizada e passada oralmente
às novas gerações. Antes das
guerras, também havia contistas, novelistas e dramaturgos.
Durante o regime soviético os
escritores eram forçados a fazer livros de propaganda comunista. Os talebans baniram
a arte, a literatura aí incluída.
Mas algumas pessoas continuaram a escrever clandestinamente. Hoje, há novos escritores, mas são limitados pela
falta de recursos e infra-estrutura. Então, boa parte da literatura afegã de hoje é produzida
no exílio.
Folha - Até que ponto "O Caçador de Pipas" é a história de sua
vida?
Hosseini - As descrições da
Cabul dos anos 70, a organização social, o ambiente político,
tudo é baseado nas minhas
próprias lembranças. Os campeonatos de pipa refletem o
modo como eu e meu irmão
nos divertíamos. Assim como
o amor de Amir e Hassan pelo
cinema, principalmente os
westerns. A parte final do livro,
que se passa na Cabul sob o regime taleban, é inteiramente
ficcional.
Folha - Você é afegão, um estreante nas letras, mas seu livro
vendeu 2 milhões de cópias nos
Estados Unidos. Nesta perspectiva, os americanos não parecem ter se fechado tanto com o
11 de Setembro...
Hosseini - Não sofri nenhum
tipo de distanciamento. Mas
vivenciei os ataques de duas
formas: primeiro, como americano, fiquei tão chocado
quanto qualquer um à minha
volta. Também sofri como afegão, sabendo que haveria mais
bombardeios no Afeganistão e
que mais pessoas inocentes
morreriam. Foi uma época tumultuada na comunidade afegã. Todos queriam a retirada
dos talebans, mas estavam receosos de seu custo.
Folha - Há um novo livro a caminho?
Hosseini - Estou escrevendo
um segundo livro, que também se passa no Afeganistão.
Mas, enquanto "O Caçador de
Pipas" se debruça sobre questões étnicas, religiosas e de
classe, este lidará com o gênero
e as circunstâncias que contribuem para que duas mulheres
tenham uma amizade duradoura. Deve ficar pronto nos
próximos seis meses.
(ES)
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