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CONTOS/"MENINA DE OURO"
Autor leva ética do boxe para a ficção
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este "Menina de Ouro" é o típico livro que um homem
tem de ler escondido atrás do ray-ban para que ninguém veja quando chorar. Porque, estejam certos,
ele vai chorar. A autópsia em ancestrais valores masculinos operada por F.X. Toole faz com que
os cinco contos e uma novela reunidos no volume ressuscitem na
lembrança palavras em desuso,
tais como "honra", "glória" ou até
mesmo "respeito". E há também a
amizade, de uma lealdade devocional e dedicada, assim como
outros sentimentos nada nobres,
feito traição e vingança.
F.X. Toole é o pseudônimo de
Jerry Boyd, um obscuro técnico
de boxe que atuou na Califórnia
por 20 anos. Depois de ter sua
obra rejeitada por diversas editoras durante quatro décadas, foi
enfim descoberto e teve o primeiro livro ("Rope Burns", base desta
edição brasileira) editado em
2000 com grande estardalhaço,
logo seguido por outro volume,
"Million Dollar Baby", homônimo à adaptação fílmica de Clint
Eastwood alvejada por uma chuva de Oscars neste ano. No entanto Toole não pôde desfrutar do
seu sucesso tardio: morreu dois
anos depois da publicação, aos 72.
Dono de uma prosa muscular (e
devido a esta característica, além
do tema, difícil não sucumbir a
platitudes do tipo "literatura que
parece um soco na boca do estômago" ou algo semelhante), P.X.
Toole põe em prática todo seu admirável conhecimento sobre o
boxe, essa estranha arte de esmurrar o próximo, preservar o espírito e alguma magia e ainda sair lucrando. Nas histórias não esbanja
apenas propriedade técnica (ele
também atuou como "cutman", o
encarregado de estancar sangramentos freqüentes que boxeadores sofrem no ringue), mas propaga a ética do esporte, uma ética
não fixada de maneira formal e
mais próxima aos princípios difundidos entre gângsteres. Difícil
também não pensar em Hemingway e suas touradas. Herdeiro da
dicção direta do "papa" do realismo sujo americano (e não custa
registrar que o grande James Ellroy reconheceu nele "a melhor
ficção sobre boxe já escrita"),
Toole elege o boxe como campo
de investigação do confronto entre o homem e seus maiores medos. Porém nas suas arenas o sacrificado não é o touro, e sim o
"outro". Em meio aos ginásios
por onde suam carcaças e fedem,
os personagens parecem respirar
o ar exíguo de um paraíso perdido
à beira da extinção, e os contos
(como o impressionante "Judeu
Negro" - muito bem traduzido
por Moacyr Scliar) celebram o
fim do apogeu da presença caucasiana (notadamente irlandesa)
nos ringues de boxe.
A escolha de alguns escritores
brasileiros de inegável parentesco
com o melhor realismo americano (Rubem Fonseca e Marçal
Aquino, sem dúvida, além de Carlos Heitor Cony, Luiz Fernando
Emediato, Sérgio Dávila e Wladir
Dupont) para traduzir os textos é
um dos acertos da edição. A nota
dissonante do gongo fica para a
capa marqueteira e equivocada,
que reproduz o cartaz do filme.
P.X. Toole merecia ganhar esta luta por nocaute, e não por pontos.
Joca Reiners Terron é escritor, autor de
"Hotel Hell" (Livros do Mal), entre outros
Menina de Ouro
Autor: F.X. Toole
Tradução: Moacyr Scliar, Rubem
Fonseca, Marçal Aquino, Carlos Heitor
Cony, Luiz Fernando Emediato, Sérgio
Dávila e Wladir Dupont
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 37 (304 págs.)
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