São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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CONTOS/"MENINA DE OURO"

Autor leva ética do boxe para a ficção

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Este "Menina de Ouro" é o típico livro que um homem tem de ler escondido atrás do ray-ban para que ninguém veja quando chorar. Porque, estejam certos, ele vai chorar. A autópsia em ancestrais valores masculinos operada por F.X. Toole faz com que os cinco contos e uma novela reunidos no volume ressuscitem na lembrança palavras em desuso, tais como "honra", "glória" ou até mesmo "respeito". E há também a amizade, de uma lealdade devocional e dedicada, assim como outros sentimentos nada nobres, feito traição e vingança.
F.X. Toole é o pseudônimo de Jerry Boyd, um obscuro técnico de boxe que atuou na Califórnia por 20 anos. Depois de ter sua obra rejeitada por diversas editoras durante quatro décadas, foi enfim descoberto e teve o primeiro livro ("Rope Burns", base desta edição brasileira) editado em 2000 com grande estardalhaço, logo seguido por outro volume, "Million Dollar Baby", homônimo à adaptação fílmica de Clint Eastwood alvejada por uma chuva de Oscars neste ano. No entanto Toole não pôde desfrutar do seu sucesso tardio: morreu dois anos depois da publicação, aos 72.
Dono de uma prosa muscular (e devido a esta característica, além do tema, difícil não sucumbir a platitudes do tipo "literatura que parece um soco na boca do estômago" ou algo semelhante), P.X. Toole põe em prática todo seu admirável conhecimento sobre o boxe, essa estranha arte de esmurrar o próximo, preservar o espírito e alguma magia e ainda sair lucrando. Nas histórias não esbanja apenas propriedade técnica (ele também atuou como "cutman", o encarregado de estancar sangramentos freqüentes que boxeadores sofrem no ringue), mas propaga a ética do esporte, uma ética não fixada de maneira formal e mais próxima aos princípios difundidos entre gângsteres. Difícil também não pensar em Hemingway e suas touradas. Herdeiro da dicção direta do "papa" do realismo sujo americano (e não custa registrar que o grande James Ellroy reconheceu nele "a melhor ficção sobre boxe já escrita"), Toole elege o boxe como campo de investigação do confronto entre o homem e seus maiores medos. Porém nas suas arenas o sacrificado não é o touro, e sim o "outro". Em meio aos ginásios por onde suam carcaças e fedem, os personagens parecem respirar o ar exíguo de um paraíso perdido à beira da extinção, e os contos (como o impressionante "Judeu Negro" - muito bem traduzido por Moacyr Scliar) celebram o fim do apogeu da presença caucasiana (notadamente irlandesa) nos ringues de boxe.
A escolha de alguns escritores brasileiros de inegável parentesco com o melhor realismo americano (Rubem Fonseca e Marçal Aquino, sem dúvida, além de Carlos Heitor Cony, Luiz Fernando Emediato, Sérgio Dávila e Wladir Dupont) para traduzir os textos é um dos acertos da edição. A nota dissonante do gongo fica para a capa marqueteira e equivocada, que reproduz o cartaz do filme. P.X. Toole merecia ganhar esta luta por nocaute, e não por pontos.


Joca Reiners Terron é escritor, autor de "Hotel Hell" (Livros do Mal), entre outros

Menina de Ouro
   
Autor: F.X. Toole
Tradução: Moacyr Scliar, Rubem Fonseca, Marçal Aquino, Carlos Heitor Cony, Luiz Fernando Emediato, Sérgio Dávila e Wladir Dupont
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 37 (304 págs.)


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