São Paulo, quarta-feira, 03 de setembro de 2008

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Mostra recoloca Resnais em lugar central

Filmes desaparecidos do circuito comercial serão exibidos no CCBB

Com início hoje, retrospectiva terá 17 longas, como "O Ano Passado em Marienbad", "Hiroshima, Meu Amor" e "Meu Tio da América"


Olivier Laban-Mattei - 22.jun.06/Associated Press
Alain Resnais, diretor de 'O Ano Passado em Marienbad'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

No começo dos anos 60 do século passado, quando "O Ano Passado em Marienbad" assombrou o Festival de Veneza, Alain Resnais era o fino da vanguarda. Um crítico de peso como José Lino Grünewald chegou a considerá-lo o "inventor da linguagem cinematográfica" (ver "Um Filme É um Filme", ed. Companhia das Letras).
O tempo passou e as vanguardas se retraíram, deixando as salas de cinema para a agressiva indústria cultural. Os filmes de Resnais desapareceram do circuito comercial desde, aproximadamente, 1980. Deixaram atrás de si os clichês sobre a memória e o tempo que podem ser revistos, atualizados, aprofundados ou contestados a partir de hoje na retrospectiva proposta pelo CCBB.
Lá estará o Resnais completo, desde os curtas-metragens que o haviam celebrizado antes mesmo de rodar "Hiroshima, Meu Amor". Lá, haverá mesas de debates com professores e críticos (Consuelo Lins, Ismail Xavier, Luiz Carlos Oliveira Junior, Fernando Passos entre eles) e cursos (com João Luiz Vieira, Christian Borges).
Enfim, o que dava para fazer foi feito no sentido de promover o reconhecimento desse cineasta que, mais do que ninguém, buscou acabar com as hierarquias entre passado, futuro e presente, acontecido e imaginado, vivido e sonhado, explorando caminhos que só o cinema entre as artes talvez pudesse trilhar livremente e que até então só havia invadido de maneira tímida.
Com o tempo, Resnais e cineastas como ele, de Antonioni a Godard, de Monte Hellman a Glauber e Bresson, foram sendo banidos, colocados no catálogo dos "chatos", suas obras tidas mais por pedantes do que por criativas. Talvez por falta de uma vanguarda conseqüente os filmes do circuito comercial hoje pareçam tão precários: esses inventores, às vezes chatos (ou equivocados), é que abrem caminhos.
No caso, os caminhos de Resnais são com freqüência obscuros, mas agradáveis. Mesmo que não se entenda "O Ano Passado em Marienbad", pode-se usufruir a sonoridade das vozes, a elegância dos traçados, a beleza de Delphine Seyrig. Mesmo sem conhecer direito a Segunda Guerra, apreciará em "Hiroshima" a busca de dois personagens, uma francesa e um japonês, por Hiroshima.

Curtas
No mais, abre-se a oportunidade de observar, nos curtas de Resnais, as origens dessa arte que, como deixou de chegar ao Brasil, só permitiu a freqüentadores de cinematecas conhecer, esparsamente, filmes como "Smoking/No Smoking", "A Vida É um Romance", "Stavisky", até chegar ao recente "Medos Privados em Lugares Públicos", que, como que para consolidar a fama de esquisitices de Resnais e sua intimidade com as particularidades do tempo, ficou mais de um ano em cartaz em São Paulo.
No conjunto, essa mostra recoloca Alain Resnais no lugar central que lhe cabe no cinema mundial e, mais ainda, nos lembra da falta que fazem esses excêntricos cineastas que a incultura cinematográfica consagrou como chatos, pedantes e tudo o mais que se diz quando, por preguiça, nos recusamos a reconhecer obras diferentes daquelas que o hábito impõe.

NA INTERNET
www.folha.com.br/ilustradanocinema
O crítico Cássio Starling Carlos lembra o escritor Alain Robbe-Grillet e sua parceria com Resnais em "O Ano Passado em Marienbad" (1961)



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