São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Livro de Shriver ganha maldade e vísceras após começo tedioso

"Dupla Falta" critica ideologias que tentam igualar homens e mulheres com enredo sobre casal de tenistas

SHRIVER FAZ UM RETRATO IMPIEDOSO DO MASOQUISMO FEMININO E DOS VENENOS DA FÊMEA PARA DESTRUIR O MACHO

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

Há alguns bons motivos para abandonar "Dupla Falta", romance da norte-americana Lionel Shriver, logo nas primeiras páginas.
Se o leitor não é um aficionado do tênis, achará tremendamente enfadonhas as sucessivas e minuciosas descrições de jogos que recheiam o início da obra.
Também corre o risco de se enfastiar com o começo insosso da relação amorosa da tenista premiada Willy Novisnky com Eric Oberdorf, um aspirante do esporte.
O livro, além disso, parece andar em círculos, em torno de campeonatos, de pequenos dramas da carreira e de dois ambientes sociais nova-iorquinos bem previsíveis: duas famílias judias, uma da baixa burguesia (a de Willy) e outra da alta (a de Eric).
Como se não bastasse, o início de "Dupla Falta" é construído com um excesso de disciplina e convenção, do ponto de vista estilístico e narrativo, como se Shriver tivesse acabado de sair de um daqueles cursos americanos de criação literária.
Sorte, porém, do leitor que atravessar os primeiros sets tediosos de "Dupla Falta" (1997), o sétimo livro de Shriver, 54, autora do celebrado "Precisamos Falar sobre o Kevin" (2003), que também saiu pela Intrínseca.
Quando o romance inócuo dos dois tenistas se transforma na rivalidade radical de Willy contra Eric, a obra se adensa e se fortalece, ganha vísceras, cérebro e maldade.

BRAVURA
Tenista em ascensão, Willy simplesmente naufraga na carreira ao se casar com Eric, que avança no ranking do esporte na mesma velocidade em que ela decai.
Os sonhos da moça de chegar à elite do tênis vão para o brejo, a sua subjetividade se estilhaça e, de repente, diante da potência do marido, ela tem que encarar o inevitável: a diferença sexual, a castração, a falta.
Uma das qualidades de "Dupla Falta" é afrontar com bravura as ideologias que tentam igualar homens e mulheres. Shriver mergulha fundo no abismo que separa os dois gêneros.
Faz um retrato impiedoso do masoquismo feminino, da luta de uma mulher contra sua feminilidade e dos venenos poderosos que a fêmea ressentida pode utilizar para destruir o macho.
Outra qualidade do livro é a escrita objetiva, precisa e muito mordaz de Shriver.
O enredo tem base melodramática, e a autora poderia descambar para uma difusa linguagem psicologista e/ou sentimental.
Ela, no entanto, não desperdiça palavras e raramente se afunda em metáforas e eufemismos ao descrever o confronto dos sexos e o desmoronamento físico e mental de uma mulher que "gostaria de se sentir homem".

DUPLA FALTA
AUTORA Lionel Shriver
EDITORA Intrínseca
TRADUÇÃO Débora Landsberg
QUANTO R$ 39,90 (368 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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