São Paulo, sábado, 03 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RODAPÉ LITERÁRIO

Medos privados em lugares públicos


Tradutora experiente cria narrativa sem vertigem, narrada nos moldes do romance realista


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

QUANDO UM tradutor experiente envereda pela ficção, é natural que se busque em sua produção um vestígio dos autores que verteu. No caso de "Immaculada", de Ivone C. Benedetti, esses traços são visíveis na desenvoltura narrativa mas também contribuem para que seu romance de estreia soe extemporâneo.
Tradutora de clássicos como "Ilusões Perdidas" e "Eugénie Grandet", de Balzac, ela faz em "Immaculada" um romance histórico, ambientado na São Paulo do início do século 20, em que se cruzam os temas da traição conjugal, da ascensão social e das negociatas que projetam "medos privados em lugares públicos".
Porém, ao contrário do que acontece na literatura moderna e no cinema (a menção acima ao título brasileiro do filme de Alain Resnais não é gratuita), essas tópicas oitocentistas não são retrabalhadas em chave contemporânea -como acontece, por exemplo, no romance "O Ciúme", de Alain Robbe-Grillet, ou no longa "L'Enfer", de Claude Chabrol (que passou aqui como "O Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo"), nos quais a obsessão do adultério contamina e turva a objetividade da representação.
"Immaculada" é um livro sem vertigem, narrado nos moldes do romance realista. Sua trama é atravessada pela infidelidade conjugal: logo no início, Francisco, o protagonista, descobre que é traído pela mulher, seduzida pela "beleza obscena" de seu irmão. Devolvida à família, ela morrerá em circunstâncias suspeitas, enquanto o irmão é expulso da casa paterna. Estamos no âmbito de uma família conservadora não apenas no plano moral mas também no comércio das conveniências: se a honra impõe atitudes drásticas, não cancela a necessidade de recuperar aquilo que se perdeu com a separação.
É quando surge Immaculada, menina de dez anos, filha de um homem rico, que oferece a dupla virtude da virgindade e do dote. O contrato de casamento, celebrado com cinco anos de antecedência, revela as manobras de uma elite cafeeira que se crê eterna, mas vai sendo acuada pela crise econômica de 1929 e pelo regime de Getúlio Vargas.
O romance será assim um painel de época, tendo como vetores a ociosidade de senhores que aspiram a cargos públicos e a mutação social na qual o escravo é substituído pelo imigrante -e que reintroduz o tema do adultério na figura de um jovem italiano que, movido por ressentimentos de classe, inicia a noiva imaculada nos prazeres do sexo.
Referências a Machado de Assis (o cachorro Rubião, dissimulações inspiradas em Capitu, dissolução cruel do casamento) e maquinações políticas dignas de Dumas fazem de "Immaculada" um folhetim envolvente, mas apartado de qualquer questão contemporânea.


IMMACULADA

Autor: Ivone C. Benedetti
Editora: WMF Martins Fontes
Quanto: R$ 39,80 (380 págs.)
Avaliação: regular




Texto Anterior: Vitrine
Próximo Texto: Livros/Crítica/"Cidade de Quartzo": Obra vê utopia e distopia do capitalismo em Los Angeles
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.