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Leitura trágica de "Hell" inspirou Babenco
Cineasta diz-se atraído por incapacidade de amar demonstrada pela protagonista do best-seller de Lolita Pille
"Dei o melhor de mim", diz diretor sobre a versão que fez com a ajuda do dramaturgo Marco Antonio Braz
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Não se trata de um monólogo, mas é quase isso. Por
uma hora e 15 minutos,
"Hell" desfia com crueldade
o cotidiano de uma gente fútil, cujo sentido está na aparência e na superfície das coisas. "Nós representamos a
comédia da vida, mas estamos mais mortos do que vivos. Cadáveres animados."
E preconceito, muito preconceito, de quem tem dinheiro e não precisa trabalhar para pagar contas contra
quem não tem e precisa.
"Como digna herdeira de
gerações de mulheres da sociedade, passo muito tempo
na boa vida cobrindo de esmalte minhas unhas, folgada
tomando banho de sol ou
olhando vitrines na rue Faubourg-Saint-Honoré enquanto vocês passam o tempo todo trabalhando para pagar
as porcariazinhas de que precisam. Sou francesa e parisiense e estou me lixando para o resto."
O personagem maldito,
mais um na carreira, cativou
o diretor Babenco. "O que me
levou a adaptar "Hell" é uma
leitura trágica que eu fiz do
personagem. É explícita a incapacidade de amar e de
manter algo consistente por
algum tempo. Ela não consegue segurar um afeto. Isso
torna o personagem muito
dramático."
Barbara diz: "Até conheço
gente que tem um perfil de
comportamento parecido
com esse, mas é um cotidiano muito distante da minha
realidade. Foi difícil, mas por
fim eu acabei me apaixonando pela personagem".
"São pessoas que vivem
atreladas à noite e ao consumo, com um ciclo de vida repetitivo de "novas" descobertas nos mesmos lugares. Eu
particularmente não vejo a
menor graça em ficar louco
com uma música bate-estaca
me estupidizando por quatro
horas", completa Babenco.
CONCEPÇÃO ARTESANAL
Foram três meses, aproximadamente, de ensaios. Antes disso, Babenco adaptou o
roteiro a quatro mãos com o
dramaturgo Marco Antonio
Braz.
Não foi um desafio simples, pois o texto original definitivamente não foi pensado para o teatro, é muito mais
um desabafo em primeira
pessoa. Juntaram-se a eles
Giovanni Bianco, na concepção de imagem, Felipe Tassara, na cenografia, e Murilo
Hauser que faz a codireção.
A concepção da peça foi
feita em conjunto e elaborada artesanalmente, como
gosta de frisar Babenco. Nada da equipe pesquisando referências na internet sem ter
lido o texto ou participado
dos ensaios.
"Dei o melhor de mim. Se
você achar a peça ruim, é
porque eu não sou bom."
MUNDINHO MEDÍOCRE
Lolita escreveu o livro em
cafés parisienses, na calada
da noite, depois dos agitos
pelas boates mais VIPs da cidade -"Aos 14 anos, entrei
numa boate e nunca mais
saí." Ou nos intervalos e durante as aulas a que pouco
assistia no Liceu La Fontaine, frequentado pela nata da
sociedade. Ela afirma que
não exagerou em nada, apenas romanceou a vida real.
Quando o livro foi lançado, em 2003, ela tinha 21
anos. Passou a ser barrada
nas boates que frequentava e
perdeu amigos sem conta,
que se viram descritos em situações embaraçosas no livro. Deixou a luxuosa casa
dos pais para morar no bairro
de Marais, lançou mais dois
livros e se tornou colunista
de uma revista feminina.
Diz o jornal "Le Monde" a
seu respeito: "Por baixo de
sua insolência exasperante,
descobrimos uma jovem mulher dotada de uma grande
lucidez para decodificar as
regras do jogo de um mundinho medíocre".
Essa "grande lucidez",
construída a partir de um repertório que incluiu leituras
de Charles Baudelaire e Georges Bataille, originou seu ceticismo cortante.
Não se pode reduzir "Hell"
a um estereótipo. Hell faz
uma apologia do seu próprio
comportamento apesar de
execrá-lo, concluindo que, se
os ricos não são felizes, é porque a felicidade não existe.
(MORRIS KACHANI)
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