São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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Leitura trágica de "Hell" inspirou Babenco

Cineasta diz-se atraído por incapacidade de amar demonstrada pela protagonista do best-seller de Lolita Pille

"Dei o melhor de mim", diz diretor sobre a versão que fez com a ajuda do dramaturgo Marco Antonio Braz

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não se trata de um monólogo, mas é quase isso. Por uma hora e 15 minutos, "Hell" desfia com crueldade o cotidiano de uma gente fútil, cujo sentido está na aparência e na superfície das coisas. "Nós representamos a comédia da vida, mas estamos mais mortos do que vivos. Cadáveres animados."
E preconceito, muito preconceito, de quem tem dinheiro e não precisa trabalhar para pagar contas contra quem não tem e precisa.
"Como digna herdeira de gerações de mulheres da sociedade, passo muito tempo na boa vida cobrindo de esmalte minhas unhas, folgada tomando banho de sol ou olhando vitrines na rue Faubourg-Saint-Honoré enquanto vocês passam o tempo todo trabalhando para pagar as porcariazinhas de que precisam. Sou francesa e parisiense e estou me lixando para o resto."
O personagem maldito, mais um na carreira, cativou o diretor Babenco. "O que me levou a adaptar "Hell" é uma leitura trágica que eu fiz do personagem. É explícita a incapacidade de amar e de manter algo consistente por algum tempo. Ela não consegue segurar um afeto. Isso torna o personagem muito dramático."
Barbara diz: "Até conheço gente que tem um perfil de comportamento parecido com esse, mas é um cotidiano muito distante da minha realidade. Foi difícil, mas por fim eu acabei me apaixonando pela personagem".
"São pessoas que vivem atreladas à noite e ao consumo, com um ciclo de vida repetitivo de "novas" descobertas nos mesmos lugares. Eu particularmente não vejo a menor graça em ficar louco com uma música bate-estaca me estupidizando por quatro horas", completa Babenco.

CONCEPÇÃO ARTESANAL
Foram três meses, aproximadamente, de ensaios. Antes disso, Babenco adaptou o roteiro a quatro mãos com o dramaturgo Marco Antonio Braz.
Não foi um desafio simples, pois o texto original definitivamente não foi pensado para o teatro, é muito mais um desabafo em primeira pessoa. Juntaram-se a eles Giovanni Bianco, na concepção de imagem, Felipe Tassara, na cenografia, e Murilo Hauser que faz a codireção.
A concepção da peça foi feita em conjunto e elaborada artesanalmente, como gosta de frisar Babenco. Nada da equipe pesquisando referências na internet sem ter lido o texto ou participado dos ensaios.
"Dei o melhor de mim. Se você achar a peça ruim, é porque eu não sou bom."

MUNDINHO MEDÍOCRE
Lolita escreveu o livro em cafés parisienses, na calada da noite, depois dos agitos pelas boates mais VIPs da cidade -"Aos 14 anos, entrei numa boate e nunca mais saí." Ou nos intervalos e durante as aulas a que pouco assistia no Liceu La Fontaine, frequentado pela nata da sociedade. Ela afirma que não exagerou em nada, apenas romanceou a vida real.
Quando o livro foi lançado, em 2003, ela tinha 21 anos. Passou a ser barrada nas boates que frequentava e perdeu amigos sem conta, que se viram descritos em situações embaraçosas no livro. Deixou a luxuosa casa dos pais para morar no bairro de Marais, lançou mais dois livros e se tornou colunista de uma revista feminina.
Diz o jornal "Le Monde" a seu respeito: "Por baixo de sua insolência exasperante, descobrimos uma jovem mulher dotada de uma grande lucidez para decodificar as regras do jogo de um mundinho medíocre".
Essa "grande lucidez", construída a partir de um repertório que incluiu leituras de Charles Baudelaire e Georges Bataille, originou seu ceticismo cortante.
Não se pode reduzir "Hell" a um estereótipo. Hell faz uma apologia do seu próprio comportamento apesar de execrá-lo, concluindo que, se os ricos não são felizes, é porque a felicidade não existe. (MORRIS KACHANI)


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