|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO LANÇAMENTO
Octavio Paz enxerga o México pela poesia de Inés de la Cruz
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Um livro sobre uma freira mexicana do século 17 parece ser a última coisa em que o leitor brasileiro
de hoje está interessado.
Mas "Sóror Juana Inés de la
Cruz", de Octavio Paz, é justamente isso -e poucos livros serão tão
interessantes, enriquecedores e
envolventes como este.
Misto de crítica literária, biografia e livro de história, o volumoso
ensaio consegue ao mesmo tempo
analisar em profundidade a obra
de Juana Inés de la Cruz (uma das
grandes poetas da língua espanhola) e inseri-la em seu tempo, a sociedade católica da Nova Espanha
na segunda metade do século 17.
O que torna valioso também para
nós, brasileiros, esse "tour de force" ensaístico é o fato de que a colonização portuguesa não foi assim tão diferente da espanhola.
As peculiaridades da formação
do México iluminam fortemente
as da nossa própria formação. O
patriarcalismo parasitário, o catolicismo retrógrado, o militarismo,
o centralismo, o desprezo pelos direitos civis são algumas das heranças comuns entre os dois povos.
A proeza de Octavio Paz, porém,
é mostrar como as contradições da
complexa civilização mexicana se
manifestam num corpo (sóror Juana) e numa voz (sua obra poética).
O intuito central do livro é iluminar o fenômeno Juana Inés, tentando responder duas perguntas.
Primeira: por que uma jovem bonita, inteligente e benquista na
corte do vice-rei da Nova Espanha
resolveu virar freira? A resposta de
Paz é, resumidamente: Juana entrou para a vida religiosa por sua
paixão pelo saber, pois o convento
era o único lugar em que as mulheres podiam ter acesso aos livros.
A segunda pergunta é: por que
Juana abandonou precocemente
as letras, dedicando-se unicamente ao serviço religioso? Na contramão dos estudiosos católicos, que
interpretam o silêncio prematuro
da poeta como uma conversão
mística, Paz lê o gesto de Juana
Inés como uma uma capitulação
diante das forças obscurantistas.
A poesia de Juana Inés forçou os
limites da liberdade de expressão
de sua época, sobretudo pelos temas delicados que abordou, como
o amor entre duas mulheres e a
paixão pelo conhecimento "profano". Embora não descarte a psicanálise como instrumento de estudo, Paz rejeita o simplismo das
abordagens que "explicam" Juana
Inés como mero caso de lesbianismo ou de conflito com o padrasto.
O que o ensaísta busca, com um
prodígio de erudição e clareza, não
é reduzir a poeta a um caso explicado, mas sim preservar toda a sua
contraditória e pulsante riqueza.
Ao desvendar progressivamente
sua personagem, mas mantendo-lhe uma sombra de mistério, Paz
escreveu um livro fascinante, que
pode ser lido como um romance. E
o melhor de tudo é que sua linguagem clara e elegante foi preservada
na excelente tradução.
˛
Livro: Sóror Juana Inés de la Cruz - As
Armadilhas da Fé
Autor: Octavio Paz
Lançamento: Mandarim
Quanto: R$ 56 (709 páginas)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|