São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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LIVRO LANÇAMENTO
Octavio Paz enxerga o México pela poesia de Inés de la Cruz

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Um livro sobre uma freira mexicana do século 17 parece ser a última coisa em que o leitor brasileiro de hoje está interessado.
Mas "Sóror Juana Inés de la Cruz", de Octavio Paz, é justamente isso -e poucos livros serão tão interessantes, enriquecedores e envolventes como este.
Misto de crítica literária, biografia e livro de história, o volumoso ensaio consegue ao mesmo tempo analisar em profundidade a obra de Juana Inés de la Cruz (uma das grandes poetas da língua espanhola) e inseri-la em seu tempo, a sociedade católica da Nova Espanha na segunda metade do século 17.
O que torna valioso também para nós, brasileiros, esse "tour de force" ensaístico é o fato de que a colonização portuguesa não foi assim tão diferente da espanhola.
As peculiaridades da formação do México iluminam fortemente as da nossa própria formação. O patriarcalismo parasitário, o catolicismo retrógrado, o militarismo, o centralismo, o desprezo pelos direitos civis são algumas das heranças comuns entre os dois povos.
A proeza de Octavio Paz, porém, é mostrar como as contradições da complexa civilização mexicana se manifestam num corpo (sóror Juana) e numa voz (sua obra poética).
O intuito central do livro é iluminar o fenômeno Juana Inés, tentando responder duas perguntas.
Primeira: por que uma jovem bonita, inteligente e benquista na corte do vice-rei da Nova Espanha resolveu virar freira? A resposta de Paz é, resumidamente: Juana entrou para a vida religiosa por sua paixão pelo saber, pois o convento era o único lugar em que as mulheres podiam ter acesso aos livros.
A segunda pergunta é: por que Juana abandonou precocemente as letras, dedicando-se unicamente ao serviço religioso? Na contramão dos estudiosos católicos, que interpretam o silêncio prematuro da poeta como uma conversão mística, Paz lê o gesto de Juana Inés como uma uma capitulação diante das forças obscurantistas.
A poesia de Juana Inés forçou os limites da liberdade de expressão de sua época, sobretudo pelos temas delicados que abordou, como o amor entre duas mulheres e a paixão pelo conhecimento "profano". Embora não descarte a psicanálise como instrumento de estudo, Paz rejeita o simplismo das abordagens que "explicam" Juana Inés como mero caso de lesbianismo ou de conflito com o padrasto.
O que o ensaísta busca, com um prodígio de erudição e clareza, não é reduzir a poeta a um caso explicado, mas sim preservar toda a sua contraditória e pulsante riqueza.
Ao desvendar progressivamente sua personagem, mas mantendo-lhe uma sombra de mistério, Paz escreveu um livro fascinante, que pode ser lido como um romance. E o melhor de tudo é que sua linguagem clara e elegante foi preservada na excelente tradução.
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Livro: Sóror Juana Inés de la Cruz - As Armadilhas da Fé Autor: Octavio Paz Lançamento: Mandarim Quanto: R$ 56 (709 páginas)


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