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ANÁLISE
"Angels" delata a negligência de Reagan
FRANK RICH
DO "NEW YORK TIMES"
A HBO americana transmitirá no próximo domingo a
primeira parte (com três horas
de duração) da versão para o cinema que Mike Nichols criou
da peça "Angels in America", de
Tony Kushner, estrelada por Al
Pacino e Meryl Streep (a segunda parte será exibida uma semana depois).
O épico é, entre outras coisas,
uma peça acusatória impiedosa
que revela como o prolongado
silêncio da administração Reagan acabou por fortalecer a praga da Aids na década de 80.
"Angels in America" é a mais
poderosa adaptação para a tela
de uma grande obra da dramaturgia americana desde "Uma
Rua Chamada Pecado", de Elia
Kazan, há mais de meio século.
Alguns minutos apenas depois do início de "Angels", já veremos Al Pacino aparecendo no
papel de um amigo do casal
Reagan na vida real: Roy Cohn,
em sua encarnação pós-macarthista de manipulador republicano ainda poderoso, que possui vínculos estreitos com o Departamento de Justiça, liderado
por Ed Meese.
Além de tudo isso, Cohn é um
gay que continua no armário e
está morrendo de Aids. Quando
ele leva um parceiro sexual para
a Casa Branca, se compraz em
contar: "O presidente Reagan
sorri para nós e nos dá sua
mão". Cohn vai acabar por
ameaçar revelar publicamente
os malfeitos do "adorável Ollie
North e sua "caixinha" secreta
para financiar os contras", a não
ser que a Casa Branca lhe garanta uma provisão secreta de AZT,
na época o medicamento mais
promissor contra a Aids. Cohn
ganha seus comprimidos, enquanto milhares de outros americanos, à beira da morte, precisam aguardar.
Quanto de tudo isso realmente aconteceu e quanto é fantasia?
Kushner não fez um documentário histórico nem praticou jornalismo. Sejam quais forem as
ficções de seu roteiro, este transmite com precisão o clima de hipocrisia fétida reinante entre os
republicanos gays não-assumidos em Washington, na época
em que a Aids começava a se espalhar descontroladamente.
Há muito mais em "Angels"
do que apenas a política, e é por
isso que a história é tão fascinante. Se fosse uma peça didática, seria mortalmente enfadonha. Mas a história criada por
Tony Kushner se baseia em personagens, gays e heterossexuais,
que travam batalhas atemporais
em torno do amor e da traição,
ao mesmo tempo em que procuram enfrentar o significado
da fé, da família e da própria
América, num momento apocalíptico na vida de seu país.
Na tela, "Angels in America"
fala em nome daqueles milhares
silenciados com muito mais eloquência do que os defensores da
atuação de Reagan no tocante à
Aids já falaram em defesa do ex-presidente.
Tony Kushner e Al Pacino
chegam a fazer o espectador
sentir alguma solidariedade humana com Roy Cohn.
Tradução Clara Allain
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