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São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

"Angels" delata a negligência de Reagan

FRANK RICH
DO "NEW YORK TIMES"

A HBO americana transmitirá no próximo domingo a primeira parte (com três horas de duração) da versão para o cinema que Mike Nichols criou da peça "Angels in America", de Tony Kushner, estrelada por Al Pacino e Meryl Streep (a segunda parte será exibida uma semana depois).
O épico é, entre outras coisas, uma peça acusatória impiedosa que revela como o prolongado silêncio da administração Reagan acabou por fortalecer a praga da Aids na década de 80.
"Angels in America" é a mais poderosa adaptação para a tela de uma grande obra da dramaturgia americana desde "Uma Rua Chamada Pecado", de Elia Kazan, há mais de meio século.
Alguns minutos apenas depois do início de "Angels", já veremos Al Pacino aparecendo no papel de um amigo do casal Reagan na vida real: Roy Cohn, em sua encarnação pós-macarthista de manipulador republicano ainda poderoso, que possui vínculos estreitos com o Departamento de Justiça, liderado por Ed Meese.
Além de tudo isso, Cohn é um gay que continua no armário e está morrendo de Aids. Quando ele leva um parceiro sexual para a Casa Branca, se compraz em contar: "O presidente Reagan sorri para nós e nos dá sua mão". Cohn vai acabar por ameaçar revelar publicamente os malfeitos do "adorável Ollie North e sua "caixinha" secreta para financiar os contras", a não ser que a Casa Branca lhe garanta uma provisão secreta de AZT, na época o medicamento mais promissor contra a Aids. Cohn ganha seus comprimidos, enquanto milhares de outros americanos, à beira da morte, precisam aguardar.
Quanto de tudo isso realmente aconteceu e quanto é fantasia? Kushner não fez um documentário histórico nem praticou jornalismo. Sejam quais forem as ficções de seu roteiro, este transmite com precisão o clima de hipocrisia fétida reinante entre os republicanos gays não-assumidos em Washington, na época em que a Aids começava a se espalhar descontroladamente.
Há muito mais em "Angels" do que apenas a política, e é por isso que a história é tão fascinante. Se fosse uma peça didática, seria mortalmente enfadonha. Mas a história criada por Tony Kushner se baseia em personagens, gays e heterossexuais, que travam batalhas atemporais em torno do amor e da traição, ao mesmo tempo em que procuram enfrentar o significado da fé, da família e da própria América, num momento apocalíptico na vida de seu país.
Na tela, "Angels in America" fala em nome daqueles milhares silenciados com muito mais eloquência do que os defensores da atuação de Reagan no tocante à Aids já falaram em defesa do ex-presidente.
Tony Kushner e Al Pacino chegam a fazer o espectador sentir alguma solidariedade humana com Roy Cohn.


Tradução Clara Allain


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