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São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

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ANJOS DO APOCALIPSE

Tony Kushner afirma que sua peça, concebida como resposta a Ronald Reagan, continua atual


"A raiva é um bom combustível para o palco"

DO "NEW YORK TIMES"

Tony Kushner escreveu a primeira versão de "Angels" para o cinema, para o diretor Robert Altman, cujo "Nashville" foi uma influência sobre a estrutura episódica da peça, mas então Altman se ocupou com "Short Cuts" e "Prêt-à-Porter".
O diretor de cinema P.J. Hogan e o dramaturgo e roteirista-diretor Neil LaBute viram esboços subsequentes do roteiro, mas o deixaram de lado para fazer, respectivamente, "O Casamento de Muriel" e "A Enfermeira Betty".
"Eu teria adorado ver o que Altman teria feito com "Angels", diz LaBute agora. "A marca que distingue algo que se mantém válido é o fato de receber impressões deixadas por diferentes diretores."
Apesar de suas incursões pelo cinema (que incluem uma adaptação que não deu certo de um de seus livros infantis prediletos, "Push-Cart War", de Jan Merrill, e um roteiro atrasado para o produtor Scott Rudin), Kushner se mantém fiel ao mundo do teatro.
Ele não tem muita paciência com as versões segundo as quais o teatro estaria prestes a acabar. "Elogios fúnebres para o teatro são coisas que os críticos escrevem quando estão entediados ou de mau humor", diz ele.
E, embora a retração da cultura teatral americana costume ser atribuída a alguns fatores já conhecidos -a ascensão da televisão, o alto custo de montagem das produções teatrais e o custo dos ingressos, a preferência do público pós-11 de Setembro por ficar em casa-, Kushner tem outra teoria para explicar o que ocorre. "Às vezes acho que os anos ruins acontecem quando dramaturgos, atores e diretores ficam tão apavorados quanto o resto das pessoas com o mundo e o comportamento de nossos líderes, deixando-se ficar atônitos e exasperados. Ficar sem palavras é inevitável. Mas nós nos recuperamos, e a raiva é um bom combustível para mover o motor do palco."
Enquanto "Angels in America" é um épico -"muito Steven Spielberg", observa um de seus personagens principais, Prior Walter, quando o céu se abre à sua volta-, "Caroline, or Change" é o trabalho mais íntimo e autobiográfico de Tony Kushner.
É um musical sulista emotivo cuja atenção é centrada em duas famílias, muito mais do que na família do homem como um todo. A característica que a peça tem em comum com o resto do trabalho de Kushner é a recusa do autor em reconhecer barreiras entre arte, política, religião e a vida interior de seus personagens.
Assim, em "Angels", ambientado em 85, um homem gay abandona seu namorado com Aids, e esse abandono acaba se expandindo para abranger a indiferença da administração Reagan em relação à epidemia da doença e, em última análise, para lançar um dedo acusador contra um Deus que abandonou suas criaturas.
Em "Caroline", ambientado em 1963, a era dos direitos civis é vista por dentro, criando uma ruptura entre uma empregada negra -a heroína, representada por Tonya Pinkins- e Noah Gellman (Harrison Chad), o filho de uma família judaica que emprega Caroline, mas não consegue ser seu amigo. "Caroline" é dirigido por George C. Wolfe, que também dirigiu "Angels" na Broadway.
Embora Kushner veja "Angels" como sua "resposta à contra-revolução de Reagan, que começou em resposta à grande revolução cultural dos anos 1960", ele acredita que a peça encontrará ressonância junto às platéias de hoje.
"O reaganismo continua vivo e forte; ainda está fazendo estragos tremendos", diz ele. "O apocalipse que a peça prevê em seus momentos mais sombrios é tanto metafórico quanto real. O mundo hoje é um lugar mais conturbado do que era quando escrevi a peça, mais maluco."


Tradução Clara Allain

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