São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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"171"

Versão americana capta LA artificial

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os filmes "171", "A Má Educação" e "Entreatos", em seus mecanismos, nos dizem mais ou menos a mesma coisa: a vida é uma questão de encenação. Mais próximo de Pedro Almodóvar, "171" nos faz crer que as pessoas sobrevivem por meio de papéis e do disfarce. Em ambos, cada pessoa não é apenas uma única pessoa. É outra, e depois outra.
Um picareta aparatado como policial vê jovem malandro agindo. Depois de uma falsa prisão, vem o convite para uma jornada de golpes e falsificações. Passam a tarde, em Los Angeles, vivendo personagens. Um se faz de neto de uma idosa que nunca viu e também de executivo num restaurante. O outro se finge de irmão do primeiro, depois de se travestir de herói num elevador.
O filme é remake do argentino "Nove Rainhas". Mas há uma artimanha, cultural, nesse reprocessamento. Jacobs capta como cenário central a LA glamourosa e artificial dos grandes hotéis -casas de plástico, de mentira- e de Beverly Hills: território do consumo. Monumento urbano à flutuação das imagens e identidades.
"171" é um estudo sobre a vocação. Ou uma observação do mundo a partir do talento, orientado para o delito, do ilusionismo: um ofício dos que sabem fingir, interpretar. E surgem outros parentes. De "Pickpocket" (Bresson) a "Cartas na Mesa", de 1997.
Há um certo golpe na relação com o espectador, não apenas no imprevisível roteiro. O projeto de filmagem se faz na dissimulação e na aparência. A começar por L.A., maquiada como lugar surpreendido pela câmera: há uma verdade pulsante "de mentira". O truque também está nesse aspecto de adaptação de um sucesso estrangeiro. Trocam-se as vestes, acessórios são agregados, tudo em nome de uma operação de mercado. Operação que talvez reflita a alma "verdadeira" da obra. Pelo menos em seu final, uma tentativa de moralização que trapaceia os esforços estéticos do fingir.


171
Criminal
  
Direção: Gregory Jacobs
Produção: EUA, 2004
Com: John C. Reilly, Diego Luna
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, HSBC Belas Artes e Lumière



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