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"PARA SEMPRE LILYA"
Em seu terceiro longa, sueco narra a vida de uma adolescente russa que se torna prostituta
Sem condescendência, Moodysson filma ruína social de uma jovem
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Ingmar Bergman tinha razão:
Lukas Moodysson, cujo filme
de estréia, "Amigas de Colégio"
(1998), ganhou a bênção entusiástica do papa do cinema sueco, não
era fogo de palha. A primeira prova, já disponível (assim como
"Amigas") nas videolocadoras
brasileiras, veio com "Bem-Vindos" (2000). A segunda, "Para
Sempre Lilya" (2002), chega finalmente aos cinemas.
Não sem certo atraso. Talvez
porque este seu terceiro longa seja, antes de tudo, um desses trabalhos destinados a encorpar a obra,
a lhe dar um sentido, como se
Moodysson nele pleiteasse enfim
o status de autor (um autor pop
engajado, diríamos).
Para quem não vê senão diferenças entre seus três filmes, releve-se um detalhe: seus (verdadeiros) protagonistas são sempre
adolescentes, jovens que experimentam, em seus ritos de passagem, uma nova percepção do
mundo -inclui-se aí o belo roteiro escrito por Moodysson para o
amigo Geir Hansteen Jörgensen,
"O Novo País" (prêmio do júri na
25ª Mostra de São Paulo).
Moodysson pertenceria assim a
certa categoria de cineastas cujos
espectadores ideais seriam os
próprios filhos.
Os adolescentes de "Para Sempre Lilya" são russos órfãos do
império soviético, náufragos que
sobrevivem nas ruínas do regime,
vitimados pelo total rompimento
do tecido social. Abandonada pela mãe (que se mandou para a
América com o namorado), desalojada pela tia, Lilya (16 anos)
adota Volodya (12 anos) como caçula com a mesma inocência com
que se lança à prostituição.
Depois de oferecer o próprio
corpo como mercadoria, ela vai
ao supermercado. A montagem
não deixa dúvida: Moodysson filma o processo de alienação da
personagem.
Há um certo esquematismo de
fundo (caro aos filmes de tese):
Andrei, o namorado que atrai Li-
lya para um beco sem saída na
Suécia, encarna, em sua sedução,
o canto de sereia do capitalismo
ocidental. E a bola de basquete
que Lilya deixa a Volodya, fã de
NBA, representa a vitória definitiva dos bens culturais americanos
sobre o socialismo soviético.
Por outro lado, os personagens
e as situações são perfeitamente
banais, verossímeis. Moodysson
não pareceu, em todo o caso, ter
tido dificuldades para tirá-los do
papel. A tentação é ver "Para
Sempre Lilya" como uma espécie
de "Viver a Vida" (1962) -um
dos mais belos filmes de Godard- do mundo globalizado.
Moodysson conta, tal como Godard, a história de uma jovem
prostituta que, anulada como sujeito (social), vende-se como objeto, prostituindo o corpo, mas
salvando a alma.
Filmes sobre o destino trágico
de imigrantes no primeiro mundo andam em voga, mas padecem, quase sempre, da boa consciência liberal de seus autores.
Moodysson não é do tipo condescendente. Na sua Suécia natal, ele
faz de sua protagonista uma escrava sexual, usando imagens seriais da penetração de seu corpo
para denunciar a industrialização
da exploração sexual no mundo
globalizado. Uma globalização
que é a exata antítese da que idealiza o sueco (hoje um cineasta ligado aos movimentos antiglobalização), o exato oposto do grande
e fraterno "mingau social" de
"Bem-Vindos".
Para Sempre Lilya
Lilja 4-Ever
Produção: Suécia/Dinamarca, 2002
Direção: Lukas Moodysson
Com: Oksana Akinshina, Artyom
Bogucharsky, Lyubov Agapova
Quando: a partir de hoje no Bristol,
Cinesesc e Market Place Playarte
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