São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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"PARA SEMPRE LILYA"

Em seu terceiro longa, sueco narra a vida de uma adolescente russa que se torna prostituta

Sem condescendência, Moodysson filma ruína social de uma jovem

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Ingmar Bergman tinha razão: Lukas Moodysson, cujo filme de estréia, "Amigas de Colégio" (1998), ganhou a bênção entusiástica do papa do cinema sueco, não era fogo de palha. A primeira prova, já disponível (assim como "Amigas") nas videolocadoras brasileiras, veio com "Bem-Vindos" (2000). A segunda, "Para Sempre Lilya" (2002), chega finalmente aos cinemas.
Não sem certo atraso. Talvez porque este seu terceiro longa seja, antes de tudo, um desses trabalhos destinados a encorpar a obra, a lhe dar um sentido, como se Moodysson nele pleiteasse enfim o status de autor (um autor pop engajado, diríamos).
Para quem não vê senão diferenças entre seus três filmes, releve-se um detalhe: seus (verdadeiros) protagonistas são sempre adolescentes, jovens que experimentam, em seus ritos de passagem, uma nova percepção do mundo -inclui-se aí o belo roteiro escrito por Moodysson para o amigo Geir Hansteen Jörgensen, "O Novo País" (prêmio do júri na 25ª Mostra de São Paulo).
Moodysson pertenceria assim a certa categoria de cineastas cujos espectadores ideais seriam os próprios filhos.
Os adolescentes de "Para Sempre Lilya" são russos órfãos do império soviético, náufragos que sobrevivem nas ruínas do regime, vitimados pelo total rompimento do tecido social. Abandonada pela mãe (que se mandou para a América com o namorado), desalojada pela tia, Lilya (16 anos) adota Volodya (12 anos) como caçula com a mesma inocência com que se lança à prostituição.
Depois de oferecer o próprio corpo como mercadoria, ela vai ao supermercado. A montagem não deixa dúvida: Moodysson filma o processo de alienação da personagem.
Há um certo esquematismo de fundo (caro aos filmes de tese): Andrei, o namorado que atrai Li- lya para um beco sem saída na Suécia, encarna, em sua sedução, o canto de sereia do capitalismo ocidental. E a bola de basquete que Lilya deixa a Volodya, fã de NBA, representa a vitória definitiva dos bens culturais americanos sobre o socialismo soviético.
Por outro lado, os personagens e as situações são perfeitamente banais, verossímeis. Moodysson não pareceu, em todo o caso, ter tido dificuldades para tirá-los do papel. A tentação é ver "Para Sempre Lilya" como uma espécie de "Viver a Vida" (1962) -um dos mais belos filmes de Godard- do mundo globalizado. Moodysson conta, tal como Godard, a história de uma jovem prostituta que, anulada como sujeito (social), vende-se como objeto, prostituindo o corpo, mas salvando a alma.
Filmes sobre o destino trágico de imigrantes no primeiro mundo andam em voga, mas padecem, quase sempre, da boa consciência liberal de seus autores. Moodysson não é do tipo condescendente. Na sua Suécia natal, ele faz de sua protagonista uma escrava sexual, usando imagens seriais da penetração de seu corpo para denunciar a industrialização da exploração sexual no mundo globalizado. Uma globalização que é a exata antítese da que idealiza o sueco (hoje um cineasta ligado aos movimentos antiglobalização), o exato oposto do grande e fraterno "mingau social" de "Bem-Vindos".


Para Sempre Lilya
Lilja 4-Ever
   
Produção: Suécia/Dinamarca, 2002
Direção: Lukas Moodysson
Com: Oksana Akinshina, Artyom Bogucharsky, Lyubov Agapova
Quando: a partir de hoje no Bristol, Cinesesc e Market Place Playarte



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