São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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MÚSICA

Jamaicano Linton Kwesi Johnson, conhecido pela luta contra o racismo, tem lançado no Brasil disco comemorativo

Poeta do reggae celebra carreira de ativismo

SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO

Quando se trata de Linton Kwesi Johnson, não se sabe o que vem primeiro, reggae ou poesia. Mas quando se sabe que esse jamaicano radicado na Inglaterra é considerado uma das mais importantes vozes negras em seu país de adoção, a resposta vem do outro vértice de sua obra: ativismo.
Desde a coletânea de poemas "Voices of the Living and Dead", lançada em 1974, Kwesi Johnson, 52, tem sido chamado de profeta, visionário e ícone. Seu trabalho vem traduzindo retratos de injustiça social e constrangimentos que imigrantes negros e seus descendentes são submetidos. Também vem enaltecendo a cultura jamaicana, sendo Kwesi Johnson um dos principais expoentes do "patois", palavra que designa o inglês falado nas ilhas caribenhas, mas que ele rejeita em favor do termo "jamaicano". Exemplos são títulos de canções como "Mekkin Histri" ("Making History", fazendo história) e "Fite Dem Back" ("Fight Them Back", contra-ataque).
O reconhecimento de sua obra chegou até a tradicionalíssima editora britânica Penguin Books, onde Kwesi Johnson é, hoje, o único poeta vivo incluído na seção "clássicos modernos". Por aqui, a referência é a participação no disco "Severino" (1994), dos Paralamas do Sucesso, em que faz dueto com Tom Zé na faixa "Navegar Impreciso".
Sua influência sobre o reggae mundial, aliás, foi celebrada com o álbum "Live in Paris with the Dennis Bowell Dub Band", que chega agora ao Brasil e foi gravado no ano passado para marcar os 25 anos de sua entrada no gênero com o disco "Dread Beat an" Blood" (1978). É uma amostra da "poesia dub" tornada conhecida por Kwesi Johnson, em que a parte lírica, mais falada do que cantada, se sobrepõe à música.
Com jeito sereno de conversar que contrasta com duas décadas e meia de enérgico ativismo de um ex-Pantera Negra nos anos 70, Kwesi Johnson, em entrevista à Folha, prefere ser modesto ao reconhecer o alcance de sua obra entre movimento negros e artistas de reggae: "Acho sem sentido essa história de ser profeta, visionário ou qualquer coisa do tipo. Mas humildemente eu me orgulho de saber que a minha mensagem tem alcançado tantas pessoas. No começo, eu tentava apenas articular as experiências da minha geração e colocá-las dentro de um discurso poético. Não percebia que teria um grande impacto".
A luta contra o preconceito racial avançou, diz o jamaicano. Mas, calejado, prefere ser comedido ao observar as conquistas. Kwesi Johnson já foi alvo de violência física pela polícia no passado e se deparou com uma experiência mais dolorosa sete anos atrás, quando seu sobrinho foi morto em circunstâncias misteriosas em uma estação de trem londrina, que o levou a protestar contra a morosidade da Justiça para solucionar o caso.
"Muitos dos temas que nós confrontamos no passado ainda estão por aí. Recentemente um relatório do governo britânico concluiu que a polícia é institucionalmente racista. Fizemos progressos, mas a batalha por igualdade racial e justiça social é uma luta ainda em prosseguimento", diz.
Mesmo com muitas questões pendentes, Kwesi Johnson diz que o radicalismo não pode ser usado como arma pelos movimentos negros: "Para mim, é besteira a idéia de querer dividir a sociedade entre brancos e negros. Eu não acredito no separatismo negro, que joga da mesma maneira de grupos de extrema-direita como a Ku Klux Klan".
O cantor e poeta, surpreendentemente, encontra mais otimismo para falar do cenário pós-reeleição de George W. Bush e a escalada do conservadorismo: "Eu acho que nós temos tempos excitantes pela frente, porque as mudanças que têm tomado lugar no mundo são muito profundas. Reinados se erguem, reinados são derrubados. Não vai durar para sempre".
É o que move Kwesi Johnson, que, em suas décadas de ativismo, já experimentou, sim, momentos em que o desânimo bate mais forte: "Às vezes vem a desilusão, mas ela não fica por muito tempo. Nós sabemos que não podemos ter o luxo de nos desiludirmos".


LIVE IN PARIS WITH THE DENNIS BOWELL DUB BAND. Artista: Linton Kwesi Johnson. Gravadora: BMG. Quanto: R$ 35, em média.


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